NÃO ME DÊEM CONSELHOS
Ai, não me dêem conselhos,
nunca sejam conselheiros,
opiniosos, donos de si.
Não queiram ser, por procuração,
donos de mim, que eu não vos dei mandato
e nunca seguirei os vossos conselhos.
Evitem o mais possível dar-me conselhos,
que por cada conselho vosso tenho eu um milheiro
guardado e por abrir dentro de mim.
Fiquem-se todos com os vossos conselhos,
mirando-vos como Narciso num espelho de água
e perguntando à feiticeira da história se existirá
alquém tão belo, tão perfeito, tão respeitável,
tão digno de dar conselhos como o cavaleiro do Graal
ou como a rameira da subcave , que tudo sabe
porque já tudo viveu por conta própria.
Deixem-me em paz, de uma vez por todas.
Se necessitasse dos vossos conselhos
eu já os teria pedido;
se carecesse da vossa beleza,
eu já a teria solicitado, de joelho em terra;
se suplicasse por vossas perfeições,
eu já vos teria duplicado dentro de mim ;
se me fosse indispensável a vossa respeitabilidade,
eu já estaria há muitos anos na cadeia.
Não, não me dêem conselhos
nunca me dêem conselhos :
viver em máximas é estar conosco,
sem aceitar conselho nenhum.
Ainda se não fossemos todos morrer,
talvez houvesse lugar a deveres por mandato.
Fiquem-se, pois, no vossos jardim de recriminações,
no vossa saleta de orientações para uso externo
como certos medicamentos que não servem para nada
como placebos de boa consciência
como transitoriedades impantes de convicção.
Guardai tudo, em caixa de marfim ou de madrepérola
para vós, que sois assim tão exemplares
que viveis assim tão medianamente ufanos
que tendes em cada volitação de brisa
a sensação de que voais.
Não quero os vossos conselhos.
Vivo numa casa misteriosa
que nunca teve espelhos.
Como nunca me vi, nuca soube quem era
e por isso ( e por muito mais coisas que não digo)
eu não careço dos vossos conselhos
para coisíssima nenhuma.
Arte: Caravaggio 1573-1610 - Narciso na Fonte
Amadeu Homem