A Última Entrevista
Talvez este novo confinamento esteja para durar. Ou talvez não. Aquando da primeira entrevista, acertei com Luís Gil Torga a possibilidade de uma segunda, que ele deixou em aberto, para mais tarde. Arrisco agora, via skype. O Luís aceita, com as mesmas condicionantes da primeira. E confidencia, para meu espanto, que será a sua última entrevista. Agradeço uma vez mais o “furo” que me proporciona, até porque desenvolveu-se amizade para além de admiração pela sua ímpar escrita.
Jorge Sá (JS) – Mais uma vez muito agradecido, Luís. Porquê a sua última entrevista?
Luís Gil Torga (LGT) – Jorge, temos conversado muitas vezes, sabe que não tenho feitio para isto. E gosto de estar no meu cantito, sem holofotes a apontar na minha direcção, tranquilo e em paz. Não gosto de ser entrevistado, apesar de o meu amigo saber com antecedência sobre o que podemos ou não podemos falar. A partir de aqui, desta última, responderei a dez, quinze perguntas por escrito, feitas por escrito. Caso se proporcione. Tão só. E não muitas vezes.
JS – Mas não acha que tem de se mostrar ao seu auditório? Falar de si, dos seus projectos?
LGT – Não, não vejo assim! Quem me lê, apenas deverá ler-me. O que de mim estará associado à minha escrita, estará na ciência e no conteúdo da minha própria escrita!… E as minhas vivências e a minha imaginação e a minha criatividade estão todas espelhadas nas minhas palavras escritas. Os meus projectos literários, para além do que me permito editar e partilhar, não são importantes. Fazem parte da minha privacidade, enquanto Autor…
JS – Deixe-me interrompê-lo: mas vai persistir em continuar a não editar, apesar do vício na escrita? Não acha que o seu humor e a sua sátira impar, isto é, o seu cunho próprio associado ao seu talento, deverão ser partilhados?
LGT – Vou repetir-me, Jorge. Já falámos sobre isto muitas vezes. Com excepção de “O Sorriso das Pétalas Amarelas”, que ainda não entreguei, revisto e bem revisto, não me entusiasma a edição! Não sou agarrado… Não mais pagarei para editar. Acho que foi o Chagas Freitas que disse que escreve mais rápido do que as pessoas lêem! E eu sou assim um pouco… Tenho cerca de noventa Obras completas, na gaveta… Já não teria tempo para editar tudo. Talvez vá ali buscar umas sete ou oito, muito, mas mesmo muito boas, de acordo com a minha convicção… E como sabe, não me considero um Escritor!...
JS – Continua a pensar assim? Eu acho que a sua escrita está cada vez mais aprimorada e madura, sabia? Acha que estou errado?
LGT – Não sei se está errado, ou não, mas é normal e natural que interprete assim! Cada vez me sinto mais seguro a escrever, já não é necessário voltar tantas vezes atrás para corrigir algo, isso é verdade… E, também, está a ser lisonjeiro porque gosta do que escrevo e porque já somos amigos…
JS - Lemos diariamente textos um do outro, mas é um grande privilégio ter-me proporcionado a leitura de alguns dos seus originais ainda não editados. E há três de que gostei particularmente. Como é que é possível deixar na gaveta “O Fubeiro”, “A Vila Boneca” e “O Ponto Final”?
LGT – As boas editoras são dominadas por editores que têm “freguesia” própria! E as outras editoras acabam sempre por pedir dinheiro para viabilizar a edição de uma Obra, e eu já não darei mais para esse tipo de peditório. Portugal é um dos países onde há mais Autores, a maior parte sem qualquer tipo de qualidade, literária ou comercial. E onde mais dinheiro as editoras ganham, à custa de escrita alheia, com ou sem talento!... Gosto muito dessas três obras que partilhei consigo. Apenas a necessitarem de uma revisão muito profissional, não feita por mim. Vamos ver… Talvez, alguma delas, seja editada, em fascículos, através de “O Ponney”!... para uma leitura absolutamente gratuita!... Vamos ver…
JS – Como está a viver e a suportar este novo confinamento?
LGT – Não se está a viver! Está a morrer-se leve, levemente, e devagar! Quem inventou o “bicho”, ou se distraiu, ou pensou em tudo, meticulosamente… Ainda ontem ao telefone, a conversar com uma amiga de infância, chorei… Isto está a ser muito duro, sabia? Nem a inspiração sai como eu gosto, tudo cenários negros, tudo coisas más, não há pachorra!...
JS – Dessas três Obras, qual a que editava em primeiro lugar?
LGT – Vamos por partes. A próxima obra minha a sair, garantidamente, será a colectânea “O Sorriso das Pétalas Amarelas”. Depois, para responder-lhe e saciar a sua curiosidade, acho que “O Fubeiro”. Demorou vinte anos a escrever e acho que está muito bem escrita, modéstia à parte!
JS – Adorei “O Fubeiro”. Ali está reflectido tudo: a sua veia criativa, a sua vida profissional, os males que apoquentam as sociedades e os homens e mulheres deste mundo imperfeito…
LGT – Verdade! E, se leu atentamente, está escarrapachado o que é o mundo corrupto das autarquias, onde toda a gente amiga do partido que governa tem “tacho” garantido… Uma vergonha… Só o Ministério Público é que não vê – porque não quer ver -, e só o povo é que finge não ver –, porque continua a votar nos prevaricadores…
JS – Desiludido com o que se passa em Portugal?
LGT – Nunca me desiludo, porque procuro sempre tentar encontrar forças internas para interpretar as anormalidades pelo lado positivo. Mas, acredite, vendo a minha parte deste país corrupto e desonesto, também em mentalidade e sentimentos! O pior é que ninguém estará interessado, decerto, em comprar a minha parte. Nem que seja por valores negativos, digo eu!...
JS – Uma última questão: como vê o panorama literário, por cá?
LGT – Está na altura de se filtrar a qualidade e o talento! Apenas isso: qualidade e talento! E, tenha a certeza, há muito boa inspiração por cá! Mesmo sem se respeitar a grafia antiga, há literatura muito boa para se ler… Agora, enquanto há pseudo-empresários da treta que dizem que são juristas, mas nunca ninguém os viu numa barra de tribunal a defender uma causa, e que são cônsules de países africanos onde a corrupção impera e onde se aplaude a mutilação genital feminina, e por aí adiante, a criarem as suas próprias editoras, isto não acabará bem, decerto!…
JS – Sabia que os seus parênteses rectos estão a pegar moda?
LGT – Nem me preocupo minimamente com isso. Acho piada, nada mais…
JS – Por que não se deixa fotografar, nas entrevistas?
LGT – Porque o que deverá interessar aos meus leitores é o que escrevo e não a minha imagem!...
JS – Tem a certeza que é a sua última entrevista?
LGT – Tenha a certeza que é a minha última entrevista, nestes moldes.
Resta-me agradecer e aguardar que o Luís Gil Torga dê ao conhecimento dos seus leitores a sua magnifica Obra “O Fubeiro”. Até porque o título, segundo a minha pesquisa, é sugestivo: nas ex-colónias, fubeiro também significa vendedor de banha-da-cobra! E em Portugal há muitos...
© Jorge Sá
(Jorge Sá não respeita o AO90)
(Imagem retirada da net)