O Sorriso das Pétalas Amarelas – O Golpe
A vida, sentia-o, parecia estar a fugir-lhe por debaixo dos seus pés, aparentemente de barro pobre. Injustamente.
Tudo começou quando, há quase uma década, alegando a crise, a empresa onde laborava, gerida por um “padrinho” que pensava ser mais inteligente do que o resto do mundo todo junto, lhe comunicou que não renovaria o seu contrato de trabalho. A justificação para tal não foi convincente, mas não lhe restou outro remédio a não ser aceitar sem ansiedade a desconsideração e seguir em frente. Assim o fez.
Activo na sua procura de novo emprego, respondeu a uma infinidade de anúncios e foi a uma quase infinidade de entrevistas. Até que, certo dia, o telefone tocou. Para lhe fazerem uma proposta que, de imediato, aceitou - apesar de estar longe de corresponder ao que a sua experiência e profissionalismo mereciam. E ficou boquiaberto logo no primeiro dia em que se apresentou ao serviço, tantos os incumprimentos das promessas: não tinha posto de trabalho; não tinha telemóvel da empresa; não tinha portátil da empresa; o carro que lhe foi atribuído tinha mais de quatrocentos mil quilómetros e não se lhe fazia “revisão” há mais de cem mil; tinha de andar a saltitar pelo país e partilhar alojamento com subalternos; no contrato de trabalho que lhe foi dado a assinar apenas estava declarado metade do vencimento que auferiria… E, indiferente à maledicência que certamente se lhe seguiria, «forçou» a saída. Que foi o que aconteceu ao fim de cinco dias úteis: alegando o período de experiência, foi-lhe comunicado que terminava por ali o curto «matrimónio» de colaboração. Exteriormente, ele fingiu-se chocado. Interiormente, ele sorriu de júbilo.
Retornou ao início. E emigrou. E regressou. E, depois, voltou a trabalhar numa empresa que também desprezaria a sua competência, não lhe renovando o contrato. Apesar do seu empenho irrepreensível e dos excelentes serviços prestados – assim o considerou a chefia da secção de serviços do município onde desempenhou as suas funções, cumulativas, de Engenheiro Chefe de Fiscalização, Chefe de Equipa e Coordenador de Segurança em Fase de Obra.
[Três em um: três funções, um ordenado. Evidentemente! Tornara-se «moda».]
Depois, voltou novamente ao início. Mas não emigrou - já não fazia sentido.
[ai a idade, ai a idade]
Uma vez mais, tudo voltaria ao início. Mas já não houve uma infinidade de anúncios. Muito menos uma quase infinidade de entrevistas. Já não havia quase nada e o pouco que havia era absolutamente inaceitável. E o telefone, dessa vez, não tocou. E o tempo passa – e como passa o tempo devagar, em conjunturas adversas!
Saturado de aguardar pelo destino que parecia arredio, fartou-se de comer pevides e tremoços descascados, fora de prazo. Sempre empreendedor, contudo. E começou a tentar criar o seu próprio posto de trabalho, tentando criar a sua própria empresa. Fez projectos pormenorizados e bem fundamentados e recorreu à banca. A todos os bancos. Sempre a mesma resposta: boas ideias, mas arriscadas! E exigiam-lhe tudo e mais alguma coisa como garantias, para que pudesse beneficiar de um "microcrédito": fiadores, hipotecas…
[Recusas, era isso. Só recusas.]
Sentia-se perdido. Desgostoso. Esgotado. Desesperado pela necessidade de ter de auferir dinheiro para o pão de cada dia. Dele e da família. E de contribuir para as despesas da casa, onde habitava ele, a esposa, os filhos e os cônjuges e os netos.
Certo dia santo, numa daquelas recorrentes noites de insónias, vieram-lhe à memória os «golpes» que dava nas filas das cantinas (e da secretaria geral), no seu tempo de estudante universitário, passando à frente de dezenas de colegas (por vezes centenas) para antecipar atendimento. E teve uma «ideia» para tentar um «golpe» de outra envergadura!
Nessa manhã levantou-se muito cedo. Barbeou-se exemplarmente. Vestiu um fato a rigor. E urdiu tudo muito bem urdido. E alugou por um dia um carro de marca com impacto. E pediu a um amigo para fingir ser seu «Chauffeur». E pediu a dois amigos para fingirem serem seus «guarda-costas». E dirigiu-se para a sede da Caixa Geral dos Empréstimos, com as costas bem guardadas. E inventou um nome com apelido pomposo. E tentou ser atendido por um dos administradores. E foi atendido por um dos administradores por equívoco, por mera remissão ao seu falso, mas pomposo apelido. E a conversa foi objectiva.
- Senhor administrador, começo por agradecer-lhe disponibilizar-se para me dispensar um minutinho do seu caríssimo tempo, mas eu tive uma ideia e gostaria de falar consigo sobre ela.
- Vamos a isso! E qual é a sua ideia?
- Necessito de um financiamento de mil milhões de euros!
- Uma quantia muito generosa!... E para tal quantia ser aplicada exactamente em quê?
- Isso pouco importa! O que interessa é que são quinhentos milhões de euros para mim e outros quinhentos milhões de euros para si!...
Ao fim de mais ou menos um mês, o empréstimo estava concedido! A burocracia não foi exigente, nem morosa. Não foram necessárias garantias por aí-além. Cada um dos dois gastou cinquenta milhões de euros em apoio jurídico para que tudo ficasse muito bem salvaguardado. Cada um dos dois recebeu quatrocentos e cinquenta milhões de euros, portanto.
Mal ele se apanhou com o dinheiro proveniente da «golpada» nas mãos, “pegou” na mulher, nos filhos e cônjuges e nos netos, e voou sem delongas para um país lindíssimo da américa latina, onde adquiriu uma fazenda de se lhe tirar o ventilado chapéu de palha, mesmo em frente ao oceano. Que era para onde olhava, todos os finais de tarde, debaixo da sua sombra predilecta, saboreando os seus refrescos predilectos, enquanto lhe vinham à memória as aventuras e desventuras no paraíso dos corruptos «heróis do mar».
[Ele tinha a certeza que alguém haveria de honrar a dívida que ele jamais honraria!]
© Luís Gil Torga
(Imagem retirada da net)