O Sorriso das Pétalas Amarelas - A amizade que germinou e caducou numa rede social

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 Imagem retirada da net

« … Se ele pudesse entrar dentro dela entraria afectuoso, de surdina, acariciaria o seu âmago com carícias de pluma, ofertar-lhe-ia beijos e flores e sorrisos de múltiplas cores, bem-intencionado. E agradeceria a magia do que escreve, o ritmo da dança do que fotografa, o “design” da alegria que transmite - movida por uma espécie de “frenesi” extraterreno.

 

Ele não a conhece. Ela não o conhece. Nunca se conhecerão porque o destino quase sempre não é o que se augura e a inveja alheia assassina, quase sempre, célere, hipotéticas pretensões de bem-estar ou benquerença. Sem ela se aperceber emergiu, do nada, a ruptura.

 

Ele não fugiu. Virou a página apenas porque recusou a arbitrariedade das indirectas que fizeram o favor de lhe dispensar – semelhantes a uma trupe de estudantes do segundo ano com sede de vingança das humilhações a que os submeteram no primeiro -, como se ele fosse um qualquer daqueles seres imaginários que brotam das trevas para importunarem a essência e o sossego das mentes sãs e devotas do mundo. Tudo seria da sua responsabilidade, desde o caruncho ao vírus, desde a violação de página à insensatez das escrevinhadas, alheias que fossem. Até a sua temporária inactividade laboral, que tentava revogar empreendedor, seria mal interpretada.

 

Ele não escrevia como os melhores, sabia-o. E assumia-o com um sorriso no brilhozinho dos seus olhos castanho-escuro. Mas, também, naquela rede social, a maioria que pensava escrever como os melhores escrevia pior do que ele.

 

Angustiado, levou as mãos aos bolsos. Rebuscou. E rebuscou num fôlego contradições inexistentes e arrumação de sonhos. E só depois de tanto rebuscar, em vão, se recordou que há muito deixara de fumar, que talvez ele não fosse ele ou talvez o fio condutor da ficção tivesse alvoraçado tudo, o sonho já não o seria ou então seria outra coisa para além do sonho.

 

Que mau ser. Que mau homem ele deveria ser. E insensível. Um canastro capcioso, joio mesmo daninho, indiciado de expiar o que não lhe interessava, o que não lhe dizia respeito, o que até ele execrava - tão funesta e tão má a qualidade do carácter de parte da trupe de acusação. E ele bocejava, entristecido, sob a luz moribunda dos candeeiros ribeirinhos.

 

Aguardou pedidos de amizade que nunca chegaram, alguns recusaram os seus próprios pedidos com comentários pejorativos de regozijo, o que confirmou que ambicionariam vê-lo desaparecer – o energúmeno -, engolido pela neblina de um fim de tarde de um dia ruim.

 

Não mais lerá as suas frases bonitas e pertinentes, a sua poesia ímpar, não mais verá as imagens que só o olhar dela sabia registar, não mais procurará algo que possa recordá-la ou melindrá-la no seu arbítrio, livre, de ser como ela pretende ser. E, taciturno, em trejeitos de deportação sem sentido, manter-se-á solitário, pausado, acostado ao parapeito da varanda de onde observa as buganvílias e, ao fundo, o azul do imenso mar a bradar os seus sons, saltaricando entre as suas memórias (certo da sua integridade e da sua inocência), mas sem saber o que fazer com a infinidade de palavras que ficaram por dizer … »

                                                                                                                                                                                                                                                                       

                                                                                                                                                                                                                                                Luís Gil Torga