FÁBULA DE AMOR E CIÚME

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Era, entre todas, a mais bonita.

As faces tenuemente ruborizadas, os contornos firmes e esculturais do corpo que mão divina desenhara em momento de suprema inspiração, a pele lustrosa, aveludada, a fragrância sensual do perfume discreto, a sua luminosidade ofuscante, distinguiam-na das restantes que, na sua presença, se quedavam numa sombria penumbra.

Irresistivel aos olhares masculinos, era por todos desejada e admirada.

Houve um, talvez o mais desinteressante, que se destacou  entre os outros e se atreveu a declarar-lhe o seu amor. Compensando a falta de atributos com a melancolia das palavras escolhidas.

Amor que ela, estranhamente, não rejeitou totalmente.

Paulatinamente, ele foi penetrando no mais recôndito do ser da sua amada.

E quanto mais a amava, maior era o seu ciúme, maior era o medo de a perder.

Não suportava que ela sorrisse sequer para os admiradores, nem mesmo para os  amigos de sempre.

Questionava-a pelos mais infimos pormenores, dava largas às suas suposições, aos seus delirios, tomando como real aquilo que mais não era que o produto de imaginação doentia e patológica.

Ferindo-a com as suas garras, devorando-a por dentro

Ela sofria, perdia o viço, adoecia, à medida que ele lhe corroia as entranhas com  injustas e ferozes  investidas.

Apesar disso, ela ainda era a maçã mais bonita do pomar.

E ele, o mais horrendo verme que a destruia por dentro.

Ela, a maçã, era o amor.

Ele, o verme, era o ciúme.

Moral da história:

O verme nunca amará. Porque não é da sua natureza.

Rui Felicio