INDÚSTRIA DO “APONTE AÍ”

MARIA ALBERTINA 3

 

A jeito de introito a indústria de Coimbra nos anos sessenta e setenta deste século produzia em grandes quantidades o “aponte aí”.

Caso Vossemecês não saibam o “aponte aí” era quando as pessoas levavam a mercearia fiado porque faltava o dinheiro para pagarem a pronto. Por isso é que os merceeiros tinham também uma taberna para que o “milagre de transformar água em vinho” desse para pagar a comida que muitas vezes não podia ser paga.

Era toda uma economia bem caraterística do “desenrasque” português.

Fábricas de tecidos, cerâmica e sabão aumentava o número de gente do “aponte aí”. Gente que, quando chegava a hora de pagar, não podia trocar a doença provocada pelo trabalho sem condições pela mercearia básica de subsistência. Pois se a moeda de troca fosse a falta de saúde eram milionários!

Trabalhavam, mas não manducavam - contrariando o dizer “quem não trabalha, não manduca!”- estes trabalhavam muito, mas sem muito direito ao pagamento para comerem.

Mesmo os alfaiates, os sapateiros, as costureiras, as lavadeiras, as criadas e até as peixeiras ficavam com os calotes das “senhoras” e os “esquecimentos” dos “senhores doutores”. Mesmo vivendo pobres como Job não tinham a atenção dos “senhores doutores” que usavam o seu poder para ficar com o pouco que restava aos “Job” do século XX.

Algumas vezes lá se enchiam de coragem, dada pelos santos, e iam de chapéu na mão pedir “por amor a Deus” que lhes pagassem - só que do insulto não se livravam.

Coimbra era dos “senhores doutores” e dos meninos e meninas que faziam tudo o que queriam. Os meninos engravidavam as criadas que vinham da terrinha, ainda mais miserável, para trabalharem dia e noite a troco de enxerga e restos de comida dos senhores. Enquanto os meninos, muitos estudantes da Universidade, se aproveitavam da pobreza e do medo das pobres moças para satisfação de outras carnes!

Medo de serem despedidas, medo de serem presas por falsas acusações e poucas tinham a coragem de enfrentar os senhores.

Mas Coimbra vivia a serenidade aparente de uma indústria florescente e de um poder podre e desumano.

Se vos conto isto é por via de enxergarem por trás de cenários de uma vetusta Coimbra universitária e sereníssima que não corresponde aos modos de vida escondidos em buracos.

São estas coisas que vos conto aqui do “Japão” ou da outra margem do Mondego.

Maria Albertina