Insultos ou expressões?

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São mais interessantes aqueles insultos ou expressões que têm uma história. Outros entende-se pela etimologia, como imbecil – vem do latim e é alguém desprovido de báculo, não tem bengala, dai o nosso imbecil e tonto. Muito mais giro é o "estafermo", o "filho da mãe", o "emprenhar pelos ouvidos" que têm uma história por trás. Por exemplo, se eu lhe disser que "estafermo" vem dos torneios de cavalaria medievais; "assassino" vem dos fumadores de haxixe do Médio Oriente, que "emprenhar pelos ouvidos" é uma má interpretação de um trecho bíblico. Se disser que o "filho da mãe" mete escravos, bispos de Braga e freiras de Odivelas. Isso é que é engraçado. Alguns são muito difíceis.

 

Qual foi o mais desafiante?

O filho da mãe. Primeiro, porque não faz sentido. Conhece alguém que não seja? O filho da outra, enfim... com o devido respeito pelas senhoras de vida horizontal. Mas o filho da mãe não faz sentido porque todos somos filhos da mãe. Primeiro tive de perceber o significado: literalmente é um bastardo. Como lá chegamos? No livro de um historiador oitocentista português, vi a transcrição de uma carta de uma freira, a D. Madalena Máxima, para o Arcebispo Primaz de Braga (1767), seu filho. Era uma freira de Odivelas que tinha sido amante de D. João V, com quem teve um filho – D. Gaspar. Ele escreveu-lhe uma carta muito vaidosa, a explicar que a partir daquele momento ele era superior hierárquico da mãe.

 

E o que dizia a carta?

Vou citar livremente, era algo como "Mãe, agora sou arcebispo primaz de Braga, portanto, um filho de rei –  mesmo sendo bastardo – só tem pai e não tem mãe". D. Madalena Máxima, com muita pachorra pelas caganças humanas, responde: "Meu querido filho, fico muito feliz que sejas arcebispo mas nota, um filho bastardo de rei, mesmo sendo filho de rei, é bastardo, logo não tem pai. Portanto, tu és apenas um filho da mãe." Durante algum tempo pensei que a história acabava aqui. Mas, a fazer leituras sobre escravos portugueses no tempo da Expansão, percebi que a expressão tem mais para contar. No tempo da Expansão, era comum o senhor da casa engravidar as escravas. Esses escravos, os bastarditos, eram registados nos arquivos paroquiais e apareciam como "filho de mãe". Demorei a lá chegar.  

Sérgio Luís de Carvalho

Em “A linguagem é uma arma infinitamente

mais poderosa do que uma faca”

 

Vídeo:

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