O Lambedoiro

LAMBEDEIRO1

 

Volto de novo ao tema do vinho novo, após ter participado na reposição de uma adiafa de vindimas a que se seguiu a demonstração do pisar dos cachos numa dorna para a feitura da jeropiga. Neste devir, foram ainda equacionadas as questões que se prendem com a preparação da “água-pé” e, especificamente, a maneira como sempre por aqui se procedeu para a obter, tendo-me sido grato vivenciar tais momentos, sobretudo pela sua autenticidade e convívio.


Relativamente à jeropiga, uma vez as uvas pisadas, de imediato se retirou o mosto, para evitar que fermentasse, sendo depois coado e medido, tendo em conta a capacidade do barril, pois havia que contar com a aguardente que se iria adicionar na proporção de “três por um”, ou seja, três partes de mosto e uma de aguardente! Adicionou-se ainda um pouco de açúcar amarelo, para que ficasse mais “lambareira”! Uma vez feita a mistura, a vasilha foi rolhada, para abafar, e assim ficará em repouso até assentar. Referiu-se ali que a altura apropriada para ser bebida devia ter em conta os dias de S. Martinho dedicados às mulheres!
Seguiu-se a feitura da “água-pé”. Esta designação tem a ver com o facto do vinho, que geralmente é utilizado para tal efeito, ser proveniente do último aperto do bagaço na prensa, depois de tantas vezes ter sido pisado a pés. Daí ser chamado vinho dos pés ou da repisa, cuja qualidade e teor alcoólico é substancialmente inferior. Como alguém dizia, aquilo que habitualmente assim se preparava não se podia chamar vinho, era “um palheto”, um “parreirol” muito leve, quantas vezes com sete /oito graus, ou até menos, quando “fabricado” nas casas de gente humilde, que tinha apenas uns corrimões de cepas nas bermas das terras de cultura.


Quando aparecia uma” água-pé” com dez graus já era uma pinga de estalo, o homem era rico!
A informação que colhi refere ser mesmo por necessidade que a dita “água-pé” se fazia, pois o vinho velho tinha acabado e o pessoal não passava sem uma “pinguita”,quando ia trabalhar, quando fazia as sopas de cavalo cansado, quando tinha de ir à taberna, se queria “matar o bicho”! Daí que, os mais pobres, quantas vezes, metiam no mesmo pipo o mosto que simplesmente haviam pisado, a água de lavar o tanque onde ele estivera, e até o resto de alguma quartola já com “pico”! Frequentemente, adicionavam ainda água a ferver para provocar uma fermentação momentânea e, no dia seguinte, mesmo turva, já era bebida, malgrado as diarreias que provocava!


Neste contexto, cabe agora falar do “lambedoiro” regionalismo que dá título a este texto e de que muita gente aqui pela Gândara ainda se lembra. Após sair o vinho da repisa, continuava a escorrer um líquido pastoso, tipo gelatina, resultante da fermentação das inúmeras uvas ali “prensadas”. Dizia-se ser altamente nutritivo e, daí, as pessoas aproveitarem-no, juntando-lhe depois açúcar amarelo até ficar em melaço. Era dado aos que apresentassem sinais de fraqueza, aos que executassem trabalhos pesados e à garotada, como guloseima, que o comiam com broa.


Mas, segundo o que me chegou, ele era igualmente utilizado para disfarçar a “mistela” que, a mando da “mulher de virtude”, a rapariga devia dar, “em certos dias do mês”, ao rapaz arredio que lhe interessava, com a finalidade de o “amarrar “. Saberes?!...

António Castelo Branco