PROCURAR A LÍNGUA MATERNA

LINGUAB

 

Nados e criados em terras do interior de Portugal os mancebos, com mais buço que barba, eram mandados para Coimbra por progenitores mais ricos que Creso, ou mandados pelo pároco com pagamento de progenitor que pagava duas vezes: um por conta do pecado fraldiqueiro que silenciava a barriga redonda do abade, outro para manter a prol de bem com a vida.

Pois iam os rapazolas para Coimbra, fossem filhos de santeiros casamentos ou apenas filhos dos pecados da fraca carne silenciados, aprender os latins nos bancos de pau rapado das faculdades.

Só que os latins e todos os conhecimentos das regras caiam-lhe na fraqueza de perderem o linguajar das terras para o substituir pelo douto falar sem os arredondamentos do português, que cada uma das terras lhes cantavam ao ouvido.

De doce cantado no linguajar regional passava para amargo gozo de camaradas escolares e por ajoujamento dos mestres lentes que faziam passar por tolinhos ou aparvalhados os moços que resistiam nas expressões de suas terras.
- Oh Marcelino! Não enxergas que enxerga é coisa de que se deve afastar a vista para algo de maior magnanimidade se deve espevitar o espírito?

E assim se transformava o Toino em “Antão”, o Zé em “Dom José” e o Quim em “Mavioso Joaquim” a custo de perderem a sua língua em troca de latins enredados em capa e batinas negras pelo luto do linguajar das terras embaladoras da infância.

O preto da cinza que cobria a cabeça e lhes botava fato negro, dava o ar grave de excelsos doutores de aparência. Pois que aprendiam as artes de esconder ignorância em palavreado de sete e quinhentos para pouco esclarecerem de coisas que já tinham olvidado ao diabo mais velho, era assim que se apresentava a ignorância juvenil embrulhada com baraços de latins para a embasbacada populaça da terra de criação e para farto orgulho de progenitores ou párocos que guardavam segredos de confissão. O orgulho de progenitores por perceberem que suas crias estavam agora arreadas de aparentada familiaridade com o panteão de deuses romanos, onde o vício, a má fé e a absoluta ignorância não lhe roubavam a aura de deuses do Olimpo.

Mas mais pobres regressavam os moços que perdiam a sua língua em Coimbra.

Pois coube-me a mim arregaçar a injustiça para mostrar a verdade, por empreitada de ter nascido no “japão” de Coimbra, restituir o linguajar original dando o colorido perdido pela capa e batina. Por isso vão encontrar estribilhos próprios dos regionalismos nestas próximas crónicas.

 

Maria Albertina

Empregada da limpeza