Sobrevivência e preparação - UM TESTEMUNHO

SOBREV22

 

Estas próximas semanas não me irei focar em conhecimento específico, mas revelar-vos como situações podem correr mal, mesmo com conhecimento mínimo. Escrevo como me recordo dos eventos passados.
Há cerca de 9/10 anos, por alturas de finais de Outubro, princípios de Novembro, fui convidado por um amigo para fazer uma viagem com um grupo de campistas. Esperava uns 12 elementos, entre homens e mulheres e, acima de tudo, gente conhecedora e habituada ao que realmente era a natureza.

No lugar onde esperamos, deparamo-nos com a chegada de uma camioneta cheia de outros “campistas”. Alguns já conhecia por, num momento ou noutro, os ter encontrado em campo. Desses, já sabia que eram apenas “garganta” e que na realidade, nada mais do que aquilo a que apelido de “sanguessugas”, pois não obtém conhecimento seguro para eles, quanto mais para os restantes à sua volta.

Havia nuvens escuras no céu e antecipava chuva, mas nada de especial. Fosse como fosse, para além da mochila de 50 litros e umas bolsas laterais para equipamento suplementar, levava também uma bolsa no meu cinto extra que iria comigo durante a viagem. Este continha um poncho, umas calças impermeáveis com suspensórios, dois sacos de plástico grandes, um poncho tipo cobertor de aquecimento, uma lona de 2x2m e um pequeno kit de emergência para fazer fogo bem como a minha faca de mato e uma pequena serra. Deu-se início à viagem.

Enquanto me dirigia para as traseiras da camioneta, dei-me conta da presença de uma amiga que há muito não via. Esta vinha acompanhada da irmã, alguém de quem já sabia que existia, mas que não conhecia pessoalmente.

A mais de meio da jornada, a chuva apareceu e cresceu de intensidade. Não parou, mesmo quando chegamos ao lugar onde seriamos deixados. Sei que viajamos para norte, sempre na proximidade do Mondego, rio que banha a cidade de Coimbra, e aqui é que começa a verdadeira aventura.

Assim que o veículo parou, a argumentação começou. A maioria queixava-se de ter o material de chuva dentro das respetivas mochilas. Aparentemente, não se queriam molhar para ir buscar os ponchos e afins. Enquanto isso, e também para surpresa do meu amigo que se sentara a meu lado, eu fui vestindo o meu equipamento de proteção. O poncho seria a última peça a cair sobre mim.

Quase totalmente protegido, notei que alguns se haviam levantado e “entupido” a porta de trás, parecendo decidir se se iam molhar ou não. Enquanto isso, reparei que havia uma árvore ao fundo do descampado local, algo que me agradava, pois tinha de me preparar melhor para o resto do caminho a pé. Não era a única, mas esta estava bem coberta por folhagem, oferecendo alguma proteção. Pedi espaço para sair, mas a resposta não foi a esperada. Ninguém cedeu. Acabei por sair pela frente.

O motorista tinha aberto as portas de carga de ambos os lados e assim, dei a volta pela frente da viatura e retirei a minha mochila, tapando-a com o poncho. Carregado, e perante o olhar surpreendido dos outros, dirigi-me há tal árvore, puxei um dos sacos e estendi-o no chão. Tirei o poncho, coloquei uma cobertura extra sobre a mochila, coloquei-a às costas e ajustei-a. Voltei a vestir o poncho, sentei-me e esperei.

De capuz sobre a cabeça, observei o grupo que finalmente se decidiu a sair e a retirar os seus bens. Fora a confusão total, pois ninguém se queria molhar, mas dificultavam-se uns aos outros. Os que já tinham os seus pertences e queriam afastar-se, não podiam, pois os restantes à volta bloqueavam-lhes a saída. Senti-me triste, mas ao mesmo tempo, o comportamento era curioso.

Sobre a sua vestimenta, alguns traziam Jeans, outros bermudas e poucos, umas calças mais resguardadas para ambientes campestres. O mais curioso era haver gente de T-shirt, embora a maioria trouxesse uma simples camisa, mesmo trazendo algum tipo de blusão de material impermeável por cima.

Ao fim de largos minutos, notando-se pela visão de costas e ombros molhados, dispersos pelo campo aberto, todos conseguiram sair daquele marasmo e vestir o equipamento apropriado. Deu para perceber quem realmente estava preparado e não, em caso de uma qualquer emergência.

José Ligeiro