SOBREVIVÊNCIA E PREPARAÇÃO XXXI

SOBREV26

 

Continuação da recordação iniciada há duas semanas antes.

Enquanto o grupo se juntava, ainda fui buscar quatro troncos finos com pouco mais de dois metros de comprimento e, junto com uma lona de 3x3m, criei uma cobertura por cima da fogueira de forma a que estivéssemos protegidos de algo que caísse enquanto estivéssemos no local. Ninguém iria querer excremento extra de pássaro enquanto comia, por exemplo.

No espaço de 45 minutos, tínhamos tudo o que era necessário para passar o resto da manhã secos e tranquilos. Tendo tempo para arranjar mais uns paus para fazer uma cadeira de bushcraft, preparei tudo e sentei-me. Sabia bem estar confortável, enquanto os restantes, do outro lado, se pareciam debater com a montagem dos seus equipamentos.

O meu amigo, que se sentara no chão em cima de uma lona que trouxera, convidou as meninas a juntarem-se a ele. De seguida, teve a magnifica ideia de fazer uns bancos para mais tarde nos sentarmos mais aconchegados. Não demorou muito a começar a executar o que tinha em mente.

Entre ele e eu, acabamos por fazer dois bancos com troncos, usando ferramentas de corte e furação. Estavam seguros e foram experimentados de imediato. Todos tinham um largo sorriso na cara e havia um sentimento de sucesso pelo que havia sido feito sem esforço e com prazer. O almoço era o passo seguinte.

Embora pudéssemos obter água do rio e purificá-la, não chegamos a fazê-lo durante todo o tempo que estivemos no local. Pessoalmente, tinha levado quatro litros de água dentro de um saco apropriado, mais dois litros em reservatório para beber. No total uns seis quilos extra de peso, apenas em água.

Decidiu-se por se fazer um arrozinho para todos, com carne grelhada na fogueira. Os homens trataram da carne e as mulheres do resto. De grelha apoiada nas pedras que circundavam a fogueira, escutava-se o crispar da carne ao sabor do calor das brasas.

Pelo que nos apercebemos mais tarde, os restantes elementos ainda não tinham conseguido fazer uma única fogueira. Por um momento, e enquanto olhávamos para o comer a fazer, ficámos em silêncio, apenas para escutar o que se passava do outro lado. Pareceu-me uma confusão total, algo sem organização. Olhamos uns para os outros, mas não conseguimos rir ou falar do assunto. Focamos a conversa em trivialidades comuns.

Aparentemente, o cheiro da carne a grelhar atraiu alguns dos restantes elementos, pois sem darmos conta, apareceram a rir e a “mandar umas bocas”. Vestidos com os seus ponchos, pararam a meia dúzia de metros de nós, observando a disposição do nosso acampamento. Elogiaram tudo, mas por dentro tive a impressão que não era um sentimento verdadeiro. Não demorou muito a pedirem-nos algumas brasas para ativar o fogo deles.

Voluntariamente, o meu amigo pediu-lhes uma pá ou algo metálico para levarem algumas brasas incandescentes, mas, aparentemente, ninguém tinha trazido nada do género. Recomendou-se um testo de um tacho e em minutos, apareceu.

Enquanto foram buscar o que lhes fora pedido, olhei para a minha tenda. Mesmo sabendo que não cairia muita água nela, tive o cuidado de fazer um rasgo na terra à sua volta de forma a que se a chuva caísse com mais força ou inclinação, esta escorreria pelas paredes do tecido e infiltrar-se-ia no chão. Lembro-me de ter sorrido ao mesmo tempo que olhara para os meus amigos que olhavam de volta para mim de forma inquisitiva.

Aparentemente, o fogo do outro lado pegou, mas a confusão continuava instalada. O grupo queria comer, mas todos pareciam querer fazê-lo ao mesmo tempo. Os organizadores puseram alguma ordem, mas os protestos fizeram-se escutar.

A chuva não parava de cair, umas vezes mais forte e outras mais suave, mas não parava. Do outro lado, depois de todos comerem, algo que demorou umas três horas a acontecer, os ânimos estavam mais calmos, mas não silenciados.

Durante a viagem, foi dito que haveria uma espécie de “formação” sobre como fazer fogo com vários artigos para aquela tarde e como apanhar e purificar água no outro dia de manhã. Calculei que com o tempo assim, nada acontecesse. Parece que se tinham junto em pequenos grupos e instalado nas suas tendas a jogar às cartas ou algo do género.

Nós os quatro, falámos, rimos, conversamos de assuntos sérios e mais triviais, rachamos lenha para o jantar e preparamos o manjar da noite. Chegamos ao ponto de fazer um refletor de calor para colocar atrás da fogueira.

Sem nada de especial para fazer, eu e o meu amigo decidimos vir ver o acampamento principal. As meninas começaram a sentir frio e decidiram ficar junto da fogueira. Num determinado ponto, pudemos ver tudo o que estava montado e o queixo caiu-me de surpresa. Olhei para o meu amigo, que olhou para mim também. Parecia que havíamos sentido o mesmo efeito de “terror”.

José Ligeiro