VISTE OU CONTARAM-TE?

BISTES1

 

Desde sempre ouvi esta expressão aqui pela minha terra, não pronunciada como está escrito mas na forma da corruptela “bistes ou cuntaram-to”, que bem caberia no Glossário de Termos Gandareses, do nosso Idalécio Cação.

Tal interrogação, comum ainda hoje, recai sobre “novidades” que suscitam dúvidas a quem as ouve, quer pelo inverosímil das mesmas, quer porque quem as leva e traz é gente conhecida pela sua alcovitice. É sabido que, desde sempre, quando se falava das “mulheres do soalheiro”, se estava a imputar ao elemento feminino aquela prática, esquecendo que muitos homens também cabiam no mesmo rol ao tomarem idênticas atitudes, sobretudo, quando eram eles que ”levantavam as lebres” e depois “fugiam com o cu à seringa”, não querendo ser acusados de maldizentes e jocosamente aconselhados a vestirem saias.


Na sequência deste intróito pergunto-me quem é que, até hoje, não foi confrontado com conversas ao vivo - e agora, numa versão mais moderna, ao telemóvel, quantas vezes em alta voz -, conversas que não podemos deixar de ouvir, dadas as circunstâncias em que acontecem e onde, sem sombra de dúvida, caberia a sacramental interrogação. E são comuns as expressões que suscitam ambiguidade e incerteza quanto à proveniência do “diz que diz ” no que se refere ao falatório, aos boatos, aos mexericos, às bisbilhotices, ao muito mal dizer.

Curiosamente, nunca ouvi ninguém, neste “ leva e traz”, fazer a pergunta que agora tenho em cima da mesa. Ao invés, tentando furtar-se às responsabilidades, ouço dizer a cada momento: - Eu já não sei quem me contou, e nem sei se é verdade ou mentira… Estou a vendê-la (a novidade), por quanto a comprei! Peço-lhe, pelo que há de mais sagrado, que não me mencione quando for esclarecer o assunto.


Este apontamento lembra-me a estória que há dias ouvi contar numa mesa de café ao lado da minha, a respeito do que dizia, feliz, a mãe de uma menina recentemente casada: - A minha filha teve muita sorte com o marido que arranjou. É ele que faz tudo lá em casa; ela não tem que mexer uma palha. Ele faz o comer, ele lava e passa a roupa a ferro, ele arruma a casa, ele faz as compras, ele faz tudo …! Por sua vez, numa mesma avaliação, a mãe do rapaz manifestava-se destoutra maneira: - O meu filho não teve sorte nenhuma. Casou com uma mulher que não sabe fazer nada, nadinha mesmo! Não sabe, ou não quer! E sempre concluía com um ar de desgosto: - Cá p’ra mim, deu-lhe “água de cu lavado”!


Se este episódio me tivesse sido contado, eu não teria resistido e, por certo, bem à moda da Gândara, havia de perguntar: - Mas bistes ou cuntaram-to?


António Castelo Branco