AFONSO LOPES VIEIRA CONTRA A DEMOLIÇÃO DO ARCO DE ALMEDINA
Uma das vozes retrógradas que se ergueu contra a decisão da Câmara Municipal de Coimbra, aprovada em 1921, de demolir o Arco de Almedina foi a do poeta conservador Afonso Lopes Vieira.
A deliberação camarária, tomada em nome do progresso, assentava, entre outros fortes argumentos, na conveniência de demolir o Arco para agilizar a construção de uma agência bancária na esquina com a rua Ferreira Borges, e no prejuízo que a permanência do Arco representava para as vistas sobre a Calçada dos futuros clientes de um estabelecimento de “bocks” (cerveja) e café que o secretário da Câmara pretendia abrir no cimo da rampa, no local onde hoje existe uma loja de bugigangas malabares.
O Presidente da Câmara, referido na carta de Afonso Lopes Vieira, era o Doutor João Duarte de Oliveira, professor da Faculdade de Medicina, futuro Reitor da Universidade.
CARTA DE AFONSO LOPES VIEIRA (“Diário de Notícias”, 3/5/1921, p. 1):
“Meu caro Augusto de Castro
Henrique Trindade Coelho lançou na «Pátria» o grito de alarme acerca da projetada demolição do Arco de Almedina, em Coimbra, pela Câmara da mesma cidade. Depois, Sousa Costa, neste mesmo lugar, secundou esse alerta. Fui eu que ao primeiro destes nossos ilustres camaradas tive a honra de recomendar a defesa do velho e caríssimo Arco, e continuaria a deixar em tão boas mãos este assunto, se hoje me não chegassem duas revelações que me apresso a comunicar ao seu jornal – uma que é pungente e revoltante, a outra dum fúnebre bufónico inconcebível. Na presidência da Câmara de Coimbra encontra-se um professor de medicina que não conheço e nunca vi, mas a personalidade de Sua Ex.ª, que não me interessa, é-me, todavia, conhecida por este facto. – Foi este senhor que, a propósito de uma discussão de caráter municipal, ameaçou o velho e glorioso professor António Augusto Gonçalves «de lhe puxar as orelhas». A primeira informação que de Coimbra acabo de receber, diz-me que a Câmara, desfazendo os brados de reprovação e mesmo de angústia que têm sido soltados por pessoas e corporações de «élite», persiste no seu intuito de demolição do Arco de Almedina, e que este «está condenado para muito breve». A segunda, pejo-me realmente de a revelar, mas ela é-me fornecida por pessoa que nos merece uma perfeita consideração, e reproduz, de resto, um boato persistente que em Coimbra corre de que a projetada demolição tem por fim desafrontar convenientemente o local, para que aí seja estabelecido um café de que seria proprietário o secretário da câmara coimbrã.
Perante estas informações, ocorre perguntar se a chamada «Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra» será uma entidade que tenha como missão desenvolver o consumo dos bocks na cidade com cujo brasão se enfeita, e á custa dos monumentos que nos pertencem a todos pela veneração que nos merecem. E ocorre enfim perguntar se Portugal ainda será – no sentido total desta altíssima palavra – uma Nação.
2 de maio de 1921.
Seu camarada e amigo,
Afonso Lopes Vieira.
In Mário Torres