AS MINAS DE NAMORA

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No espaço Biblos do Fundão decorreu, no fim-de-semana pascal, uma tertúlia literária comemorativa do centenário do nascimento do médico e escritor Fernando Namora, que aconteceu em Condeixa-a-Nova, no dia 19 de Abril de 1919.

Falou-se da sua juventude liceal, académica, da sua profissão de médico e, a mais importante, a de escritor.

Em 1943 veio para Castelo Branco, como médico municipal, tendo exercido a profissão na freguesia de Tinalhas.

As atenções deste encontro literário centralizaram-se na obra “AS MINAS DE SAN FRANCISCO.”

As opiniões são divergentes. Há quem defenda que o seu romance percorre terras e gentes das Minas da Panasqueira e, também, quem defenda a tese de que a obra é relacionada com as Minas de São Francisco da Mata da Rainha (Fundão), estendendo-se para os concelhos de Penamacor e Idanha-a-Nova.

Os argumentos em defesa de que na realidade o romance se terá passado nas Minas da Panasqueira alicerçam-se na sua grandiosidade e num maior conhecimento nacional daquele coito mineiro. Também se baseiam numa eventual visita que Fernando Namora realizou a convite do então director do Jornal do Fundão, António Paulouro.

Porém, na perspetiva de Elsa Ligeiro, editora da Alma Azul, esta obra de Fernando Namora está sem dúvida enquadrada nas Minas da Mata da Rainha. Isto porque, o escritor, em 1943-1944, supostamente foi colocado em Tinalhas e conheceu naquela localidade um seu conterrâneo – Eng.º Manuel Vidal de Almeida Lima -, responsável técnico das Minas da Mata da Rainha. Convites e encontros não terão faltado em visitas àquele coito mineiro, convivendo com aquelas gentes.

Com tantos olhares por aqueles locais, Fernando Namora escreveu nas suas palavras aquilo que conheceu: “os meus livros representam quase o itinerário da geografia humana, por minas percorrido.”

As Minas de San Francisco espelham aquilo que o escritor viu e viveu, e assim se justifica que, seguramente, se deve referir às gentes, principalmente aos homens da Mata da Rainha, que deixaram em grande parte o sector agrícola para avançar para a loucura bélica do volfrâmio.

Este quadro social e laboral, que se viveu em muitas minas do país, mas principalmente na Beira Interior, ofereceu a Namora matéria suficiente para escrever o romance que a Biblosentendeu promover neste debate.

Namora, nesta obra, faz uma justa homenagem às pessoas pobres e desempregadas que vinham à procura do “el dorado”, neste caso o volfrâmio, que naquela época era dos minérios mais apetecidos da Europa, para o fabrico de armamento usado no conflito da Segunda Guerra Mundial.

Sem nunca referir o nome “verdadeiro” das Minas de San Francisco escreve: “ S. Francisco era um baldio, nem dava mato, as leiras de várias cores talhadas pelos muros de sílica, do loiro trigo, ao verde macio dos pastos, vinham morrer ali…mas eis que chegou a notícia, que no extremo do concelho os homens enriqueciam a furar a terra. Com a notícia desperta uma esperança informe, um alvoroço impaciente que devolvia cóleras e servidões.”

Numa entrevista com José Leal Antunes, sargento-mor na reserva, diz-se: ” Fernando Namora foi muitas vezes à Mata da Rainha, que lhe serviu de palco para escrever o livro “Minas de San Francisco”. Ao lê-lo reconhecem-se perfeitamente muitas das personagens invocadas, embora o autor as não identifique no concreto do seu romance. Aliás, há que dizê-lo, muitos autores também usam esta forma de escrita, sendo que os leitores é que acabam por reconhecer as personagens”.

É inegável a importância das Minas de San francisco na economia local, tendo tido mais de mil pessoas a trabalhar em contínuo (três turnos).

Também Manuel Rolo, ex-Presidente da Junta de Freguesia, taxista, referiu que “Fernando Namora, a trabalhar em Monsanto, se deslocava com frequência à Mata da Rainha, dialogando com todas as pessoas. Os meus avós e os meus pais faziam referência e recordavam este facto.

O romance deve ter sido escrito em Monsanto e publicado em 1945, numa altura em que Fernando Namora já se encontrava em Pavia - Alentejo a desempenhar também as funções de médico municipal”.

Paulo Silveira, autarca e investigador, também é da opinião que o cenário da obra é efectivamente na Mata da Rainha, mas, descodificando o romance, abrange todas as pessoas e o trabalho mineiro, como um território comum que serve causas.

Recordando as palavras inscritas numa lápide de um habitante da Mata da Rainha, a propósito solidez da construção da Igreja local, “só quando uma formiga beber a água dos mares e uma tartaruga der a volta ao mundo”, é que o Romance “ As Minas de San Francisco” de Fernando Namora deixará de pertencer às gentes daquela freguesia.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Abril/2019