ESCLARECIMENTO SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SÁTIRA E HUMOR

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Nos últimos tempos, temos assistido a um episódio que, embora não inédito, revela a fragilidade do entendimento que alguns políticos têm sobre a liberdade de expressão e o papel da sátira no debate público. Importa esclarecer e refletir.

O caso em questão diz respeito ao político e presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva que, após ver arquivado um processo por difamação, decidiu expressar sua indignação num artigo de opinião publicado no jornal O Público. Este político argumenta que a decisão judicial demonstra uma falta de proteção ao seu bom nome e imagem, além de alegar que as publicações do Movimento de Humor, feitas nas redes sociais, se baseiam em narrativas falsas destinadas a difamar e a denegrir o seu nome e imagem e que, portanto, a Constituição não protege quem esteja em cargos políticos. Contudo, é imperativo que desmistifiquemos essas afirmações e reafirmemos a importância da sátira e do humor como um pilar fundamental da democracia.

Em primeiro lugar, é crucial entender que a sátira e o humor são formas legítimas de expressão que visam criticar e questionar figuras públicas e as suas ações. Os autores do Movimento de Humor não operam no vazio; antes, fundamentam as suas criações em factos verificáveis, utilizando a sátira, a ironia e o humor como ferramentas para promover reflexões sobre a política e os seus protagonistas. Usando como alvo prefencial o que é éticamente reprovável na política, ainda que muitas vezes possa ser legal.

Assim, a alegação de que as histórias narradas são falsas é, na verdade, uma simplificação que ignora a complexidade do discurso satírico e humorístico. A sátira e o humor não precisam, nem devem, ser uma reprodução da perspetiva do político eleito; o humor parte de elementos da verdade para provocar uma reação crítica, problematizar, levantar questões, daí resultando formas, por vezes, até hilariantes.

Além disso, a Constituição da República Portuguesa assegura a liberdade de expressão como um direito fundamental. Essa liberdade não é uma concessão aos políticos, mas sim um direito que deve ser garantido a todos os cidadãos. E sim, quando estes são alvo de um cartoons, de críticas ou de um texto satírico, não estão excluídos da proteção constitucional.
Quando um político tenta silenciar a crítica ou a sátira, está a atacar não apenas os autores da página, mas também o direito de todos os cidadãos de se expressarem livremente. Aqui está a questão mais importante. A proteção ao bom nome e à imagem não deve ser confundida com a tentativa de cercear a crítica legítima; um qualquer político, ao assumir tal papel, deve estar preparado para enfrentar o escrutínio e a análise, incluindo a crítica humorística.

O presidente da Câmara Municipal de Coimbra, ao afirmar que a decisão judicial é uma demonstração de desrespeito pela dignidade dos políticos, desconsidera o papel essencial da crítica na democracia. A liberdade de expressão inclui a liberdade de satirizar, de incomodar para reflexão a favor ou contra. Se a crítica fosse silenciada sempre que alguém se sentisse ofendido, estaríamos a abrir um perigoso precedente que poderia levar ao cerceamento das vozes que fazem parte da vitalidade do nosso debate público.

Importa enfatizar que a sátira não é uma forma de ataque pessoal, mas sim uma maneira de questionar e refletir sobre as ações e decisões de quem ocupa cargos públicos. Os autores do Movimento Humor não se dirigem ao político José Manuel Silva de forma pessoal, mas sim às suas políticas, às suas ações e aos seus comportamentos enquanto político eleito, promovendo uma discussão que é, afinal, do interesse de todos os cidadãos. E, ao fazer isso, estão a contribuir para uma sociedade mais crítica e consciente. Pois o cartoon é uma poderosa arma de cidadania, que dispara informação, inquietações e interrogações.

Como bem refere o autor, de análise jurídico, L. Barbosa Rodrigues, no seu livro «O DIREITO FUNDAMENTAL DE REVOGAÇÃO DO MANDATO POLÍTICO - POLITICAL RECALL” escreve: «Desenvolve-se, assim, o total paradoxo de que, à medida que a literacia dos representados cresce - e cresce, exponencialmente, no decurso do último século - a literacia dos seus presuntivos representantes nunca parece haver decrescido em moldes tão acentuados.»

Concluindo, a insatisfação deste político perante a decisão judicial e suas alegações de difamação são infundadas. A sátira é uma forma legítima de expressão, sustentada por factos e inscrita no exercício da liberdade de expressão que a Constituição Portuguesa protege. Se os políticos desejam manter a sua imagem intacta, devem estar dispostos a lidar com a crítica e a sátira que são intrínsecas ao seu papel na sociedade. Esta é uma das regras básicas da democracia.

Todos os colaboradores no Movimento de Humor

NOTA: O Ponney enviou esta informação para os seguintes jornais: Publico; Observador; JN e Expresso, até à data da publicação não houve qualquer resposta destes jornais em relação à discussão sobre a liberdade de expressão.