"Índice ideográfico de «O Conimbricense»"

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 Finda a guerra civil de 1846-1847, a que pusera termo a Convenção de Gramido, assinada em junho deste último ano, os membros do partido popular, em oposição ao Governo, foram em Coimbra alvo de lamentáveis vexames e perseguições, mostrando-se as autoridades impotentes na manutenção da ordem. O poder era exercido, nesta cidade, por um clube da Couraça de Lisboa, que tinha a sua sede na residência de um antigo e faccioso magistrado, aí se selecionando as vítimas e decidindo sobre o seu destino.

 Isso levou os dirigentes do partido popular, que tinha como principal chefe o lente de matemática Agostinho de Morais Pinto de Almeida, à publicação de um periódico em que pudessem apontar essas violências, assim saindo o n.º 1 de «O Observador» em 16 de novembro de 1847. A sua redação era constituída por um escol de figuras, na sua quase totalidade professores universitários: Agostinho de Morais Pinto de Almeida, Justino António de Freitas, António Luís de Sousa Henriques Seco, Francisco José Duarte Nazaré, José de Morais Pinto de Almeida, José Maria de Abreu, Joaquim Augusto Simões de Carvalho e António Xavier Rodrigues Cordeiro.

 "Chegou a tal ponto a perseguição ao periódico onde Rodrigues Cordeiro era dos redatores mais enérgicos ‒ lê-se na «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», vol. 7.º, p. 664 ‒ que os tipógrafos se viam obrigados a ter armas carregadas na oficina de composição, ao passo que o entregador, homem destemido, distribuía a folha armado de um par de pistolas. Atacavam-se os redatores, as casas onde se vendia «O Observador», os próprios leitores."

 Não obstante as ameaças sopradas de todos os ventos, e o risco a que os seus redatores se expunham, prosseguiram na sua obra de verberação de prepotências a abusos até que, sobrevindo acontecimentos que trouxeram consigo certo apaziguamento, este periódico, que Joaquim Martins de Carvalho administrara e de que em certa altura se tornara proprietário, tomou o título de «O Conimbricense», tendo o n.º 1 com este título a data de 24 de janeiro de 1854 (1). No ano seguinte Martins de Carvalho montou uma tipografia na Rua do Coruche (hoje Rua Visconde da Luz), onde o jornal passou a imprimir-se, transferindo-se anos depois para o prédio em que tinha a sua residência, na Rua das Figueirinhas (atual Rua Martins de Carvalho).

 Joaquim Martins de Carvalho dirigiu «O Conimbricense» até morrer, em 1898, sendo desde o seu falecimento substituído na direção por seu filho Francisco Augusto Martins de Carvalho, oficial superior do exército, posteriormente reformado com o posto de general, continuando nessa direção até que o periódico terminou com o n.º 6230, de 31 de agosto de 1907.

 No ano seguinte ainda o general Martins de Carvalho fez sair um número único, em 11 de julho de 1908, que geralmente se considera parte integrante do extinto periódico, e que sai, não para manter o direito ao título, mas para celebrar o centenário do primeiro periódico de Coimbra ‒ «Minerva Lusitana», cujo primeiro número saíra em 11 de julho de 1808. 

 Dispenso-me de tentar a biografia do primeiro diretor ‒ Joaquim Martins de Carvalho ‒ porque dela se apoderaram há muitos, vulgarizando-a, os dicionários, enciclopédias e outras publicações. Não tendo ele sido verdadeiramente um escritor, na aceção estilística do termo, foi um jornalista ardoroso e intemerato, arrostando tão corajosamente os perigos como afrontava sobranceiramente chufas e arruaças, em luta permanente contra tudo e contra todos pelo Progresso, pela Ordem e pela Verdade. Foi uma figura típica de um período tempestuosamente agitado, concentrando-se sobre as suas coleções e os seus livros, salvando da destruição tudo o que tivesse valor cultural ou histórico e tudo arquivando nas colunas do seu jornal, a todos prodigalizando generosamente o fruto das suas canseiras. Autodidata incansável e perseverante, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa (1895) e forçou as portas da história da literatura, como historiador e como jornalista, valendo-se somente da sua inteligência, do seu temperamento combativo, da sua indomável coragem e da sua inquebrantável vontade ao serviço de uma incontida ânsia de tudo averiguar, de tudo saber, de tudo comunicar pela palavra impressa, sempre minudente nas suas informações, passadas pelo crivo severo da mais escrupulosa probidade.

 Posso também dispensar-me de tentar a biografia do segundo diretor ‒ o general Martins de Carvalho ‒ porque já em 1942 lhe consagrei algumas páginas de sentida homenagem, na abertura do seu interessante livro «Portas e Arcos de Coimbra».

 Na comemoração quinquagenária de «O Conimbricense», jornal e diretor foram homenageados pelo historiador Marques Gomes, com a organização de «O Conimbricense e a história contemporânea», que fez imprimir em 1897, em que apontou, ano por ano, os artigos mais importantes sobre a história portuguesa contemporânea, insertos no jornal desde o ano de 1866.

 "É preciosa ‒ escreveu o historiador aveirense ‒ a coleção de «O Conimbricense». Mais vasto repositório de história não é possível encontrar-se em nenhum jornal político dos muitos que se têm publicado no País. É um arquivo inestimável de factos e documentos valiosíssimos, uma bússola indispensável a todos os cabouqueiros da história pátria."

 Apóstolo ardente da instrução e da educação do povo, lutando infatigavelmente pela criação e organização de escolas e de bibliotecas, bem merecia Joaquim Martins de Carvalho o monumento impresso agora inaugurado pelas duas bibliotecas coimbrãs, a universitária e a municipal, dando-se as mãos na justiceira tarefa de implicitamente homenagearem o Homem, no realçamento da sua grande obra ‒ «O Conimbricense».

(1) A adoção do título O Conimbricense anda ligada à tentativa de lançar um periódico assim denominado, em 1845, que a autoridade não consentiu que se publicasse, pelas dificuldades que opôs à prévia habilitação judicial exigida pela legislação dessa época.

JOSÉ PINTO LOUREIRO 

(Separata de Boletim da Biblioteca da Universidade, Suplemento ao vol. 21, Coimbra, Coimbra Editora, 1953.)

Mário Torres