LIÇÃO DE ÉTICA E DE DEMOCRACIA
A perseguição a quem desenha cartoons está, na esmagadora maioria das vezes, associada a países totalitários, fundamentalistas ou ditatoriais. Porém uma perseguição a quem desenhou e quem comentou determinados cartoons é coisa muito estranha ao espírito académico de Coimbra. No final da semana anterior ficou esclarecido este caso que deve ser lembrado por um presidente da Câmara de Coimbra ter tentado beliscar a Democracia.
Aconteceu com a página, irmã de O Ponney, o Movimento de Humor, foi sujeito à tentativa de serem processados nos Tribunais de Coimbra pelo próprio presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva. Uma cidade universitária, conhecida pela irreverência onde são satirizados os mais diversos políticos nacionais e internacionais nos diversos e muitos desfiles da Queima da Fitas, é acontecimento raro, se não único, de poder acontecer esta perseguição a um humorista em Coimbra.
Mas aconteceu.
O Ponney lembra que depois do cartunista António ter sido alvo de polémica por ter desenhado o Papa João Paulo II com um preservativo no nariz, ou desenhar o primeiro-Ministro Israelita de cão-guia de Trum cego, não chegou a ser processado em tribunal. Chegando, mesmo o jornal Expresso a declarar, 17 anos depois do caso do Papa: “porque julgamos que esta é a única forma de preservar a liberdade de expressão, voltamos a publicar um trabalho de António susceptível de gerar acesa polémica”.
Mesmo apesar de vivermos num ambiente democrático, onde a participação e escrutínio dos cidadãos alimenta a Democracia, a realidade pode demonstrar como o ambiente democrático pode ser fragilizado.
Aconteceu quando o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, remeteu ao Ministério Público, no dia 13 de Março de 2023, uma queixa para efeitos de instauração de procedimento criminal, nos termos previstos no artigo 49º do Código de Processo Penal, contra José Augusto Gomes, cartunista e responsável pela página; Maria Lencastre, autora de alguns textos; e Rosário Portugal, por comentários feitos aos cartoons, considerados como representantes da página Movimento de Humor.
No dia 11 de Setembro de 2023, o queixoso, presidente da Câmara de Coimbra, prestou declarações, no DIAP, tendo sido notificado para os seguintes efeitos:
1. De que os factos são suscetíveis de integrar um crime de natureza particular,
motivo pelo qual se deveria constituir obrigatoriamente como assistente,
liquidando a taxa de justiça devida, bem como para constituir advogado;
2.Da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em processo penal.
Em causa estaria, alegadamente factos suscetíveis de integrar o tipo legal de crime previsto no nº 1 do artigo 180º do Código Penal, por visarem “o achincalhamento, o rebaixamento, a ofensa gratuita, bem como a menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política do ofendido, enquanto presidente da Câmara Municipal de Coimbra, através de publicações na página de Facebook Movimento de Humor”.
Em documento de queixa, exercida pelo presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, manifestou o “propósito de deduzir pedido de indemnização civil”, que seria “destinada a organizações de beneficência” contra o autor dos cartoons e contra as duas senhoras que fora associadas ao Movimento de Humor.
No início de Setembro de 2021, dois anos antes do presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, ter prestado declarações contra o cartunista, José Augusto Gomes, tinha escrito um prefácio para um pequeno livro intitulado «sem filtro nem medo - Movimento de Humor» em que escreveu: «Com a sua arte, José Gomes presta um inestimável serviço cívico a Coimbra. Podemos concordar mais ou menos com a paisagem que nos traça, mas todos nos sentimos obrigado a parar e pensar.»
Mais adiante o candidato a presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, e queixoso contra os cartoons do Movimento de Humor ainda acrescenta: «Joseph Pulitzer destacou-se por ser um jornalista intenso, habilidoso, visionário e indomável, um incansável lutador contra a desonestidade política. José Gomes é merecedor dos mesmos encómios.»
O DIAP pronunciou-se depois de ouvidas as queixas do presidente da CMC e os depoimentos dos acusados do Movimento de Humor. Chegando o DIAP a considerar: «Os cartoons e os textos do Movimento de Humor só deixaram de ser uma “arma de cidadania” e o denunciado (José Gomes) deixou de merecer felicidade e êxito porque o denunciante passou de contratar os serviços para ser visado pelos mesmos, numa atitude incongruente face ao que vinha entendendo e escrevendo sobre a sátira política e o direito à crítica antes de ser Presidente da Câmara Municipal de Coimbra.» Onde o processo foi, naturalmente, arquivado.
Porém como o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, entendeu que ainda não tinha “agradecido” de forma correta pelo apoio à sua campanha autárquica, onde foi eleito, e num rasgo de irritação contesta a decisão do Ministério Público e avança para uma queixa no Tribunal de Instrução Criminal.
O processo obrigou a constituir arguidos as 3 pessoas do MH com as devidas restrições de cidadania.
Sendo que o senhor presidente da CMC apresenta, quase sempre, as faturas das suas refeições, talvez fosse útil apresentar, também, o recibo dos honorários do advogado que tem uma avença na CMC. Apenas seguindo a boa transparência política. Nada mais!
O Ponney relata o que o advogado do queixoso e presidente da CMC, José Manuel Silva, escreveu na abertura de instrução para o Tribunal:
«Não cabe questionar aqui - porque para tanto nos falta o engenho e arte - os poderes mediúnicos do Ministério Público para deslindar o que, no passado, diria o Assistente (o presidente da CMC) sobre um acontecimento futuro. Os caminhos do esotérico são ímpeto de quem ali assoma é exatamente o mesmo, não obstante o passar dos séculos: expõe-se o acusado (o presidente da CMC) e a populaça acorre, dizendo dele o que lhe aprouver, para depois, jogando o comentário, se recostar regalada a contemplar a labareda, enquanto o odor a carne queimada traz a certeza de dever cumprido.»
A semana passada chegou o parecer do Tribunal de Instrução Criminal com a decisão de não levar a julgamento o que só por si não tinha as mínimas condições para que houvesse julgamento crime contra o Movimento de Humor.
Declarou na sua página pessoal José Augusto Gomes, cartunista e responsável pelo Movimento de Humor: «A questão, que considero mais importante é que este é mais um exemplo de que os cidadãos não devem ter medo e devem alimentar a democracia para que um dia não acordem em ditadura.
Tenho absoluta consciência que se fosse na época do Estado Novo, eu estaria preso, torturado e empurrado para uma vala comum. Só posso agradecer pela Liberdade de Expressão que trouxe o 25 de Abril de 1974.»
O Ponney coloca a questão: Será que o senhor presidente da Câmara Municipal de Coimbra vai, ao menos, fazer um pedido de desculpas público, perante esta intenção de calar a liberdade de expressão?
AG