CIMPOR - POLUIDOR OU MECENAS ?

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A verdade é que se pode ter os dois adjetivos sem que haja contradição. No caso da Cimpor, localizado na freguesia de Souselas, o caso deve ser averiguado, sem deturpações, nem favoritismos, porque estamos a tratar de um assunto delicado de saúde pública. Pois o processo da co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) na fábrica local de cimento da Cimpor, levantou grandes manifestações e contestações pela população a partir de Abril de 2001, por despacho do então ministro do Ambiente, José Sócrates, cuja decisão provocou uma enorme discussão com a atenção da comunicação social a nível nacional.

Nesta semana e neste ano de 2024, a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, após analisar os dados disponibilizados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), associados ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão de 2023 e noticiada pelo jornal Público, colocava o Centro de Produção da Cimpor, em Souselas, com o sexto maior poluidor do país.

Para maior esclarecimento, em Setembro de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra decidiu a favor da Cimpor e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mais de cinco anos depois de uma ação popular contra a co-incineração em Souselas e de 20 anos depois do motivo de revolta.

Esta decisão do TAF colheu a contestação do advogado de defesa da população de Coimbra na altura, Castanheira Barros, que contestou a decisão do TAF dizendo: «O TAF de Coimbra considerou que não era exigida a Avaliação de Impacte Ambiental para a co-incineração de resíduos perigosos em Souselas, apesar de esta se fazer em cima do respetivo aglomerado populacional e a 4,5 quilómetros em linha reta do centro da cidade de Coimbra, cujas condições geográficas potenciam a concentração das substâncias poluentes, sobretudo durante a noite e a madrugada».

Acrescentando, ainda, o advogado Castanheira Neves: «E o Tribunal Central Administrativo Norte julgou a nosso favor, deu-nos razão, e obrigou a que fossem aditados à matéria de facto as conclusões dos vários pareceres apresentados».

No mesmo ano, desta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) favorável ao procedimento da Cimpor em Souselas, ainda que com a contestação do advogado Castanheira Neves, em Outubro de 2021 (já com o novo executivo municipal liderado por José Manuel Silva) a União de Freguesias (UF) de Souselas e Botão celebrou, a 27 de Outubro 2021, uma nova parceria com a Cimpor. Tratando-se de um protocolo de cooperação que visava, acima de tudo, a valorização da população local e o desenvolvimento da região. Que foi muito bem vista pelo atual presidente da UF de Souselas e Botão, Rui Soares.

O acordo previa um apoio à concretização de obras consideradas estratégicas pelo Executivo desta União de Freguesias, no valor total de 360 mil euros até 2024.

Entre as ações foram previstas a construção de uma passagem pedonal junto ao rio Botão sob a linha férrea em Souselas; a construção de telheiros e melhoramentos associados para as escolas do 1.º ciclo do ensino básico de Larçã, Marmeleira e Jardim Infantil de Souselas; a requalificação do Mercado de Souselas; a remoção de amianto nos edifícios do Centro de Saúde e da Casa do Povo, bem como a impermeabilização dos pisos e a colocação de isolamento térmico; o melhoramento do Polidesportivo da Mata de S. Pedro e a colocação de um novo piso no Polidesportivo de Souselas.

Este foi um enorme apoio que a Cimpor ofereceu a Souselas, tirando uma grande responsabilidade à Câmara Municipal de Coimbra que deveria prever a resolução destas obras, consideradas estratégicas pelo Executivo desta União de Freguesias, no valor total de 360 mil euros, e que foram respondidos pela Cimpor. O assumir destas responsabilidades, que deveriam ser da conta da Câmara Municipal de Coimbra, levam a que o presidente da União de Freguesias de Souselas e Botão, Rui Soares, em 2024 a não se mostrar preocupado com os dados, que demonstram que a fábrica do setor cimenteiro, sediada no Concelho de Coimbra, e que produziu 0,84 milhões de toneladas de C02 no ano transato.

O presidente da União de Freguesias de Souselas e Botão, Rui Soares, afirmou ao diário As Beiras, sobre o resultado deste estudo: “Isso nem é bom nem é mau. A Cimpor está a cumprir com mais do que até era suposto. Há uma comissão de acompanhamento, da qual faço parte em conjunto com a vereadora da Câmara Municipal Ana Bastos e o doutor João Gabriel Silva, que foi da Quercus, e está tudo dentro do suposto”, argumentou perante os dados que provam que a Cimpor, em Souselas, produziu 0, 84 milhões de toneladas de CO2 no ano de 2023.

Sendo a “comissão de acompanhamento” composta pelo presidente da UF (proprietário de uma empresa de construção), que recebeu em 2021 da Cimpor um valor total de 360 mil euros para obras estratégicas na UF Souselas e Botão (aliviando a responsabilidade da Câmara Municipal de Coimbra); a Vereadora do executivo, com a responsabilidade em obras e tráfego urbano, Ana Bastos; e o ex-reitor da Universidade de Coimbra (irmão do atual presidente da Câmara de Coimbra), e com formação na área de informática, João Gabriel, e que pertenceu à Quercus. É esta a dita “comissão de acompanhamento” para verificar o cumprimento sustentável da Cimpor. Não sendo nomeado, na entrevista, pelo presidente da UF, Rui Soares, qualquer entidade, ou pessoa, isenta para uma avaliação longe de qualquer suspeita de interesse neste processo da Cimpor em Souselas.

Longe vão os tempos em que o biólogo João Pardal, como ex-presidente da Junta de Freguesia de Souselas prestava declarações à agência Lusa afirmando, em finais de Fevereiro de 2008, que «a população de Souselas está doente, como prova um estudo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro, divulgado através da Internet no dia 16 de Fevereiro.»

O ex-autarca, e, na altura, também presidente da Associação de Defesa do Ambiente de Souselas (ADAS) continuava, na altura, com a sua luta contra a co-incineração para Souselas perguntando: «Como é possível ser ainda equacionado trazer a co-incineração para Souselas, continuando o Governo a massacrar a população com uma teimosia?».

Em 2024, os tempos são outros e o biólogo, ex-presidente da Junta de Freguesia de Souselas e ex-presidente da Associação de Defesa do Ambiente se Souselas (ADAS) é, agora, um funcionário da Câmara Municipal de Coimbra, com responsabilidade nas áreas de sustentabilidade que, alegadamente, lhe levam muito tempo para já não se ouvir protestar em relação aos dados divulgados pela Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, após analisar os dados disponibilizados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), associados ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão de 2023, colocando em sexto lugar na lista dos 10 mais poluidores em Portugal.

Mais do que querelas partidárias, ou alivio por deixar de assumir responsabilidades públicas e passá-las para a Cimpor, o que aqui se trata é de saúde pública. Ou como afirmou em 2008 o biólogo João Pardal que era uma questão de analisar o estudo da Administração Regional da Saúde (ARS). Será que esse estudo deixou de ser feito?

É necessário que cada um de nós possa tomar consciência de forma isenta. Não basta fazerem-se discursos de sustentabilidade, quando a prática levanta algumas questões que se desejam respondidas em nome da nossa saúde.


JAG