« JUSTIÇA E TRANSPARÊNCIA, SERÁ QUE ISSO INCOMODA ASSIM TANTA GENTE?»

3 ENTREVISTA 1

 

O cada vez maior aumento do número de queixas dos utentes dos Serviços Municipalizados dos Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC) obriga a que O Ponney não possa ignorar este assunto.

Sendo exatamente os motoristas que estão na linha da frente, acabam por ouvir as queixas e às vezes os insultos de quem se sente enganado por comprar o passe para um transporte que não chega conforme horário público e que ainda tem que esperar pela hora para arrancar - tudo isto enerva os utentes que transbordam a sua raiva ao motorista. Sendo, ainda poucos os utentes que apresentam queixa formal nos SMTUC. Preferindo extravasar a sua raiva ao primeiro rosto que representa os SMTUC.

Por essa razão O Ponney fez a entrevista a um motorista que já escreveu alguns artigos de opinião para este jornal e que aceitou falar connosco em entrevista.

O PONNEY (OP)- Sancho Antunes, desde quando é que és motorista nos SMTUC?
SANCHO ANTUNES (SA) - Já tenho uns anos nos SMTUC. Comecei em 3 de Janeiro de 2000, mas entretanto em 2001 fui para a AVIC e retornei a esta casa em Setembro de 2004. Sou motorista há 31 anos e tenho 21 anos de SMTUC. Os anos que tenho de SMTUC já me deu uma experiência que poucos decisores nos SMTUC têm.

(OP) - É essa experiência que te dá base para seres revolucionário?
(SA) - Não me considero um ‘revolucionário’, mas admito que ando em luta por melhores condições de trabalho e mais justiça laboral. Não tenho medo por dar a cara pela defesa de justiça. Nem tenho medo de falar com um ministro, nem com um Presidente da Câmara... nem com qualquer pessoa, represente ou não o poder, porque não exijo algo que apenas me beneficie. Eu exijo o que é melhor para o coletivo. Só quero justiça, nada mais!

(OP) - Então está mais correto o adjetivo ‘reivindicador’?
(SA) - Sim, aceito mais essa nomenclatura, como forma de reclamar a reposição de uma ação mais justa.

(OP) - Reivindicas o quê?
(SA) - Reivindico, por exemplo, que seja cumprido o acordo assinado entre a Câmara Municipal de Coimbra, pelo Conselho Administrativo dos SMTUC, e pelos Sindicatos. Esse acordo tem a denominação ACEP (Acordo Coletivo de Empregador Público), mas não está a ser cumprido na integra como foi acordado. Está a ser cumprido uma pequena parte o que, na minha opinião (é apenas a minha opinião), viola o principio do acordo e a razão para a sua assinatura.
Há, inclusivamente, motoristas a ultrapassar as 200 horas por ano e continuam a ser chamados para além dessas horas - o que não é legal! Agora, como algumas medidas dão pequenos benefícios aos meus colegas motoristas, acabam por calar os que deveriam reivindicar o seu total cumprimento. Muitas das vezes dão-nos uma migalha apenas para calar a nossa maior reivindicação. É exatamente isso que me incomoda e não percebo porque é que os Sindicatos estão calados com este incumprimento. Têm medo de quê?

Também é necessário lembrar que este acordo foi feito no mandato do anterior executivo, socialista, onde foram divulgados os acordos com as entidades sindicais. Mas a maioria eleita pela coligação Juntos Somos Coimbra considera que o “Acordo Coletivo de Empregador Público (ACEP) não se aplica aos trabalhadores dos SMTUC.”
Colocando um limbo neste acordo.

A verdade é que há uma enorme injustiça e as “armadilhas” que nos lançam servem para calarem o que é importante. A verdade é que o pouco, para quem não tem nada, acaba por ser o suficiente para mandar calar e é por isso que me chamam “revolucionário” porque não me calo! Mas eu apenas peço justiça e transparência nos processos - por isso aceito melhor o adjetivo de ‘reivindicador’.

Entendo que se deva negociar, entendo que pode não haver condições para se dar tudo de uma vez...entendo muito bem isso tudo e entendo quem está sentado no Conselho de Administração também tem as suas limitações...entendo bem que há dificuldades e constrangimentos... mas têm que ser transparentes e honestos a negociar com quem trabalha no duro.

Com quem dá a cara pelos SMTUC. Faça sol, faça chuva; seja de madrugada, seja de noite; seja feriado, ou dia da semana; haja pandemia ou não...nós estamos sempre de serviço e temos que andar de cara alegre. Bem sofremos com o calor, com o frio, com o medo e com a segurança de transportarmos pessoas numa cidade que nem sempre tem as condições de segurança necessárias...

(OP) - ... Ou com a pandemia, quando muitos motoristas foram contaminados...
(SA) - ... Sim, numa altura em que era desconhecido o Covid-19...tivemos muitos casos de colegas que ficaram muito mal. A maioria das pessoas esqueceu isso...assim como esqueceu outras coisas, mas o motorista é sempre o “mau da fita”para uma metade e para outra metade que reconhece bem o nosso esforço...em enfrentar as pessoas que exigem o cumprimento dos horários e têm toda a razão.

O que talvez não saibam é que há falta de autocarros...que funcionem; há falta de motoristas; há uma má gestão na elaboração de horários, de linhas e de percursos. Poderia haver uma melhor gestão para aproveitar mais o nosso trabalho se fossem cortadas linhas onde circulam mais do que um autocarro...percursos que deveriam ser repensados...enfim...eu tenho um documento que considera cada problema e apresento soluções de poupança de recursos humanos e materiais.
Infelizmente são poucos os que reconhecem a nossa capacidade e esforço...

(OP) - ...um esforço de não reconhecimento da vossa carreira, por exemplo.
(SA) - Sim, por exemplo. E essa é uma questão antiga e que não tem solução à vista. Há solução, mas falta-nos o número e falta força de quem governa a nossa Câmara.

Vou explicar resumidamente: em 2014 iniciou-se a luta na Assembleia da República (AR) para defender a reposição da carreira de agente único dos transportes coletivos. Na altura era primeiro secretário da Comissão de Trabalhadores e fui um dos promotores desta iniciativa. Tivemos 3 reuniões da especialidade na AR, onde esteve o Vereador da oposição que hoje é Presidente da Câmara de Coimbra e...não resultou em nada! Quando foi votada na AR só teve 3 votos a favor da nossa moção. A realidade é que os dois maiores partidos portugueses, PS e PSD, reconhecem a injustiça que foi feita à nossa carreira, entendem que o que pedimos é justo, percebem que têm que encontrar uma solução...mas no final votam contra as nossas propostas.

(OP) - É frustrante? E a Câmara Municipal de Coimbra o que faz para ajudar?
(SA) - Mas não desistimos de continuar a defender o que é justo e que é reconhecido pelos partidos! A CMC, pelo senhor Presidente José Manuel Silva, já colocou a possibilidade de Internalizar os SMTUC como possível solução, mas se ganhávamos alguma coisa perdíamos muitas outras que conquistámos. De uma forma muito básica: a proposta colocava os motoristas na estaca zero e isso também não aceitámos. Mas quero esclarecer que o senhor Presidente da Câmara de Coimbra está a tentar ajudar-nos, não da forma que nos prometeu e com diversas medidas que acordou, mas que depois entendeu não as aplicar...acho que falta ambição! Olha, comparando com o Presidente da Câmara de Setúbal que teve reunião com o Governo Nacional e 15 dias depois está resolvida a questão dos Bombeiros Municipais de Setúbal que tinham uma questão de carreira como os motoristas. Não sei mesmo porque é que o Presidente da Câmara de Coimbra não faz o mesmo...está aberta porta...muitas vezes não entendo a razão que nos impede de sermos justiçados. Confesso-te que, nós os motoristas, estamos cansados com tantas promessas, tantas “boas-vontades” e depois...nada!
Vamos aguardar que esta nova equipa no Conselho de Administração dos SMTUC possam ajudar-nos a repor a justiça que merecemos.

(OP) - Será esse cansaço que explica por que razão alguns colegas teus não são corretos com alguns passageiros? Porque também os há...
(SA) - Não há desculpa para qualquer incorreção de alguns, felizmente poucos, colegas que ou são mal-educados ou têm ações mais graves para com os passageiros!

Mas também não se pode julgar todos os motoristas dos SMTUC por alguns...eu sei que é mais fácil julgarmos a parte pelo todo...é um ato quase inconsciente!

Como em todo o lado há bons e maus profissionais...entre médicos, enfermeiros...ou qualquer outra profissão, mas isso também não pode justificar que os passageiros não tenham comportamentos educados para connosco. Num período onde estamos a sofrer mais pressão económica com os preços a aumentarem...a questão das casas com preços altos...a alimentação...com quase metade da população com rendimentos abaixo de 800 euros leva-nos a um estado de nervos generalizado.

Alguém tem que ter paciência para ouvir, para acalmar, para ser racional. Mas muitas das vezes a paciência esgota-se por isso temos que todos exigir a nós próprios paciência. Um bocadinho a cada e tudo se resolve...muitas vezes o que inicia a discussão entre motorista e passageiros até são coisas que nada têm a ver com o problema em si.
É que para além dos problemas levantados pelos passageiros, uns com razão outros sem, a realidade é que acumulamos com outros problemas como a desorganização dos estacionamentos nesta cidade onde os autocarros são impedidos de passar que nos levam a um aumento de stress. Vou-te dar apenas alguns exemplos de vias problemáticas: Av. Bissaya Barreyo com carros estacionados entre o passeio e a estrada; Largo D. Dinis que está sempre um verdadeiro caos; a rua da Universidade...como é possível que a CMC nada faça? Basta vermos como está tratada toda a zona histórica cheia de carros largados de maneira perfeitamente absurda...e quando reclamamos alguns motoristas infratores ainda nos tratam mal...enfim! Outro exemplo (não te vou cansar com os imensos casos de caos no estacionamento em Coimbra) é o da Rua da Sofia onde os condutores não cumprem os sinais de trânsito demorei meia hora para fazer 300 metros. A vergonha de desorganização do trânsito entre a Rua João de Ruão até à Olimpo Nicolau Fernandes...a CMC tem a obrigação de resolver estes problemas que também se refletem no mau serviço dos transportes municipais. E resolver os problemas dos transportes públicos não é uma das medidas para, também, resolver as questões ambientais?

Uma coisa é certa se o Conselho de Administração dos SMTUC não cumprirem na integra o ACEP (Acordo Coletivo de Empregador Público), vai ser complicado esta nova administração ter a colaboração dos motoristas.

Lá está voltamos ao principio: apenas quero justiça e transparência, será que isso incomoda assim tanta gente?

(OP) - Talvez seja isso! Muito obrigado amigo Sancho Antunes e que continues a defender a justiça e a transparência que todos nós vamos beneficiar.