O MENINO QUE SE FEZ HOMEM - HISTÓRIA VI (recordando Me. Teresa):

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Chegou à Comunidade Juvenil de S. Francisco, a que Teresa Granado criou, com uma irmã e um outro irmão, mais pequenitos do que ele. Talvez por 1979/80. Eram filhos de um professor universitário que fora para Londres dar aulas. Eram filhos de família de bem, aparentados com um tal de Cid. Os pais mataram-se com drogas.

A história deles correu e chegou à Me. Teresa que, e num repente, como era a sua forma de encarar os problemas que metiam crianças e jovens, que chafurdavam em lamas de vidas e se misturavam com desentendimentos de sentimentos, acolheu os três irmãos.

Segui o seu trajecto, especialmente o do mais velho, o Francisco (nome fictício). A vida deu voltas. Ele cresceu, estudou e o seu percurso, até ao final do secundário foi excelente. No final do 12.o ano, a Me. Teresa, liga-me. “António, o teu amigo Francisco acabou, com 17 valores, o liceu (a designação à moda antiga, ainda)”. E continuou a conversa: ”quero pedir-te que o ajudes, porque ele vai para Lisboa estudar, para o Instituto Superior Técnico, para informática”.

Quis interromper:”mas em que poderei ajudar?” Teresa, com a simplicidade que todos lhe conhecíamos, atalhou: ”ele tem a casa de uns familiares que reencontrou, mas não tem dinheiro para tirar o curso. Como tens o teu bar e snack, no Parque das Nações, ele poderia trabalhar e ganhar o seu sustento”.

Tive um assumo do estrado em que a minha mãe me educara: “filho, nunca te esqueças de fazer o bem, de servires, de estares nas dificuldades dos outros, de deixares uma palavra e de espalhares amor, porque podes vir a precisar e tens de ser exemplo do que te ensinei e dos mandamentos de Cristo”.

“Me. Teresa, diga ao Francisco para passar pelo bar no dia tal e a tal hora, que estarei lá para falarmos” – informei. Estávamos por 2000.

No dia e hora aprazado, lá me apareceu ele que já não via, fazia uns 5 anos. Estava um homem. Mas igual ao que era: tímido, de poucas falas, introvertido e dado a escutar. “Então vens para Lisboa estudar naquilo que sempre disseste que querias, informática?” – perguntei. “Sim, sr. António” – precisou. “E em que pensas que te poderei ajudar, para essa tua tarefa”- questionei. “Quero trabalhar, aqui no seu bar, aos fins-de-semana” – esclareceu-me. “Ó Francisco, será um gosto incorporar-te na equipa dos fins-de-semana. Passas a trabalhar às 6.as f e sábados, à noite, das 21H às 5H, mas vens antes, para jantar” – prometi. O meu sócio Rui subscreveu.

Nos 3 anos do curso nunca faltou. Tornou-se mais dado e mostrou-se mais integrado. Nos primeiros dias do novo rumo académico, em Lisboa, apareceu-me no bar. “Sr. António, precisava de lhe dizer uma coisa para lhe pedir um favor, caso possa” – manifestou. “Ora diz lá” – convidando-o a falar. “Não tenho computador. Precisava de um portátil que é fundamental para o meu curso, mas custam uns 700,00€” – disse embargado de voz. Tentando desanuviar a conversa: ”Ó Francisco, toma lá o dinheiro, compra o computador e pede factura”. “Mas sr. António, eu quero pagar e podia descontar-me no que me paga” – concluiu. “Compra, utiliza-o, estuda e faz-te homem e depois falaremos” – rematei sem lhe dar tempo para retorquir.

O final, foi dali a 3 anos, porque o Francisco se apegou  e se sacrificou pelos estudos. O menino que eu havia conhecido, uns 20 anos antes, tornara-se um Homem responsável, cumpridor dos seus deveres e um amigo. Um dia, o meu sócio, o Rui, também pessoa dada a bem-fazer, a uma pergunta do Francisco – “sr. Rui, quanto é que custou a sua carrinha BMW?” – respondeu: “Uns 45 mil euros, rapaz”. “Ah, Isso dava para comprar mais de cem carros igual ao meu (ele tinha um opel corsa que comprara por 350,00€)…

Quando concluiu o curso, com 17 valores, foi ter comigo e com o meu sócio Rui. Nunca me esquecerei. Sentámo-nos numa mesa. “Vim agradecer-lhes tudo o que fizeram por mim. Estou-vos grato e não sei mais o que vos dizer. Quero acertar contas, pagando o que vos devo pelo computador que muito me ajudou no curso” – era a palavra de um simples jovem, ora Homem.

“Gratos estamos por tudo, desde a tua lealdade, passando pelo teu profissionalismo, até à tua amizade. E quanto ao computador, não te preocupes, porque é nossa oferta” – esclarecemos. Levantou-se, pedindo para o fazermos também, dando-nos um forte abraço e enxugando umas teimosas lágrimas. Há homens que crescem pela força do que passaram. Soube, já mais tarde, pela Me. Teresa que o Francisco estava numa empresa de renome, de informática, em Londres. A minha alma rejuvenesceu e tornou-se de mais luz… A minha mãe, e uma vez mais, tinha razão: “é preciso saber ajudar, e ter as palavras e as atitudes certas, na hora certa, para amar quem precisa de nós”. Bem-Hajas querida mãe pelos teus ensinamentos. Beijos para ti.

António Barreiros