SARAMAGO

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O centenário do nascimento de José Saramago só acontecerá em 2022, mas as celebrações começaram esta terça-feira, um ano antes, com um programa cultural internacional em torno do único português laureado com o prémio Nobel da Literatura (1998).

De visão abrangente, Saramago considerava Coimbra como uma “provinciana cidade com duas cabeças, uma sua própria, e outra acrescentada, repleta de saberes e alguns imateriais prodígios”, mas esse seu pensamento, não foi razão para deixar de a ela se referir numa das suas obras: 

“Choveu. Para a tarde, então, abriram-se os dilúvios do céu. Mas este viajante não é homem para desanimar à primeira bátega, e a segunda e a terceira ainda o encontram no caminho. São resistências campestres que lhe ficaram da infância e da adolescência, quando em grau de maravilha, se não distinguia o sol da chuva, e ambos do luar, e todos do voo do milhafre. Há-de contudo dizer-se que a manhã ainda pôde varrer umas largas faixas de céu azul, e foi sob essa luz que o viajante subiu a Couraça de Lisboa, íngreme calçada por onde têm rolado muitas ilusões perdidas de bacharelato e licenciatura. Para viajante, não será caminho habitualmente recomendado, mormemente se não tiver a perna lépida e o fôlego largo, mas este que aqui vai, mesmo quando já não lhe convier ao estado do coração, há-de continuar a procurar os caminhos arredados, os de pouco passar e profundo viver.

Esta Couraça de Lisboa não tem monumentos para mostrar, é só, como foi dito, uma calçada íngreme, mas é bom sítio para sentir Coimbra. Provinciana cidade com duas cabeças, uma sua própria, e outra acrescentada, repleta de saberes e alguns imateriais prodígios.”

 

José Saramago,

Coimbra sobe, Coimbra desce

in Viagem a Portugal, Alfragide:

Editorial Caminho, 2011, p. 219

Em Carlos Ferrão