A descoberta do núcleo atómico

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Ao longo dos séculos XVIII e XIX houve imensos progresso na compreensão da estrutura elétrica da matéria. Os fenómenos elétricos associados à fricção entre superfícies são conhecidos desde a Antiguidade, mas foi apenas no século XVIII que Benjamim Franklin compreendeu que a fricção não criava cargas elétricas, mas se limitava a transferir cargas entre as duas superfícies em contacto. Em experiências cuidadosas de fricção de vidro em seda, Franklin percebeu que a eletricidade (então designada vítrea) adquirida pelo vidro correspondia à eletricidade (então designada resinosa) adquirida pela seda. Não sabia então se a transferência de cargas elétricas (como hoje as designamos) tinha ocorrido do vidro para a seda ou da seda para o vidro, mas identificou claramente que as cargas adquiridas por uma das superfícies seriam as perdidas pela outra. Franklin admitiu então que teria sido o vidro a adquirir cargas do tecido, designando a eletricidade vítrea por positiva e a eletricidade resinosa por negativa. A matéria vulgar apresenta iguais quantidades de ambas as cargas, sendo assim eletricamente neutra.

Foi já no século XIX que foi possível estudar o efeito de descargas elétricas em tubos de vidro cheios de gases. Ao experimentar em tubos vazios desenvolvidos pelo vidreiro Geissler, Plücker verificou que o vidro ficava fluorescente apenas em certas zonas determinadas pela forma de um dos contactos elétricos (o cátodo), designando por raios catódicos “aquilo” que manifestamente estava a ser emitido por este elétrodo. Foi Thomson quem, em 1898, estabeleceu que estes raios catódicos, que designou eletrões, eram constituídos por partículas de carga negativa e de massa reduzidíssima, correspondente a 1/1836 da massa do átomo mais leve (o de hidrogénio).

A experiência de Thomson revelou que a igualdade das cargas elétricas, positivas e negativas, da matéria eletricamente neutra, corresponde a uma grande disparidade das respetivas massas, sendo as cargas positivas muito mais maciças do que os eletrões, negativamente carregados. Colocou-se assim imediatamente a questão de saber como é que as cargas positivas estariam distribuídas na matéria vulgar. Thomson propôs um modelo em que estas cargas estariam distribuídas de forma mais ou menos uniforme, encontrando-se as cargas negativas (eletrões) distribuídos nessa grande mole positiva como as passas num pudim. O pudim mais simples, de hidrogénio, teria uma única “passa” (eletrão) tendo o resto do “pudim” a mesma carga elétrica (positiva) mas sendo 1836 mais maciço do que a “passa”.

O grande experimentalista britânico Ernest Rutherford propôs-se testar este modelo. Rutherford era especialista na recém-descoberta radioatividade e tinha-se distinguido precisamente pela caracterização precisa dos produtos da desintegração radioativa. Entre esses, tinha identificado que em algumas desintegrações radioativas eram produzidas cargas elétricas extremamente maciças (com massas da ordem da massa atómica, cerca de sete mil vezes mais maciças que os eletrões). Essas partículas, que designou partículas alfa, eram também extremamente velozes e positivamente carregadas. Rutherford concebeu assim uma experiência em que partículas alfa seriam dirigidas para uma folha de ouro muito fina, em torno da qual se disporia um detetor que permitiria seguir a sua trajetória. Sendo as partículas alfa maciças e velozes, conseguiam atravessar a folha de ouro como balas de canhão, seguindo basicamente em frente. Contudo, Rutherford propunha-se estudar as pequenas variações de trajetória, onde esperava encontrar informação sobre pequenas variações na homogeneidade do “pudim” de Thomson.

Rutherford verificou que a maior parte das partículas alfa seguiu (mais ou menos) em frente, conforme esperado. Contudo, algumas fizeram ricochete na folha de ouro. Na expressão de Rutherford, foi como se ao disparar balas de canhão contra uma folha de papel as balas voltassem por vezes para trás!

Rutherford concluiu que as partículas que voltavam para trás tinham colidido diretamente com algo também extremamente maciço, pois só assim seria possível o ricochete. Contudo, essa massa tinha de ter dimensões extremamente reduzidas, razão pela qual as colisões “frontais” com partículas alfa seriam apesar de tudo pouco prováveis, seguindo a maior parte destas partículas em frente.

Rutherford substituiu assim o modelo de “pudim de passas” de Thomson por um modelo semelhante ao do sistema solar: no caso do átomo mais simples, um núcleo atómico muito pesado e com carga elétrica positiva é orbitado por um eletrão com a mesma carga elétrica (mas negativa) e cerca de 1800 vezes mais leve. As dimensões da órbita são cerca de cem mil vezes superiores às dimensões do núcleo (a proporção entre as dimensões exteriores do estádio do Maracanã e uma ervilha).

Estava fundada a física nuclear!

                                                                                                                                                                                                                                                          Rui Vilão

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Rutherford (à direita) e Thomson (à esquerda) em 1934, por ocasião da fotografia anual do Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge (https://cudl.lib.cam.ac.uk/view/PH-CAVENDISH-P-00178/1)