A HISTÓRIA DOS BARQUEIROS DE COIMBRA E DO BASÓFIAS
Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água,
Qu'é dos prantos que eu chorei?
António Nobre.
A HISTÓRIA DOS BARQUEIROS DE COIMBRA E DO BASÓFIAS
A ponte é uma passagem para a outra margem.
Na pitoresca cidade de Coimbra, no passado século, havia um grupo de homens destemidos conhecidos como "barqueiros", que viviam à beira do majestoso rio Mondego, Carinhosamente apelidado por "Basofias" pelos habitantes locais, devido às diferenças de caudais entre o Inverno e o Verão.
O calor do Verão trazia um vasto areal onde corria pouca água.
No Inverno, as cheias faziam o Mondego saltar do seu leito e inundar as zonas mais baixas de Coimbra. Diz a minha mãe, que nasceu paredes meias com o Convento de Santa Clara - a Velha, que muitas vezes eram impedidos e sair de casa com as cheias, sendo os bens essenciais distribuídos de barco.
Ora, naquele tempo, a cidade precisava também de várias travessias entre as suas margens, pois as pontes permanentes eram escassas. Também os carros se faziam raros. Só havia uma ponte na zona de Santa Clara, fixa, para atravessar para a outra margem, o que era muito complicado para as populações que estavam mais longe e precisavam de encurtar o caminho para irem trabalhar ou fazer compras à cidade.
Então, eram construídas várias pontes provisórias em madeira no verão, para facilitar essas passagens.
Quando chegava esta época estival, cujas águas recuavam, os construtores destas pontes, a quem chamavam barqueiros, reuniam-se nas suas oficinas improvisadas, prontos para erguer as suas célebres construções de madeira sobre o rio. Entre eles, destacava-se um dos mais conhecidos, o Sr. Modesto. Era um homem respeitado, não só pela sua habilidade e conhecimento profundo das correntes do "Basofias" , mas porque gostava de ajudar quem mais precisava. Os residentes de Santa Clara confiavam neste homem. Era um trabalhador que lutava diariamente contra as correntes do rio para alimentar a família numerosa que tinha em casa. Acampava com os filhos mais velhos e os utensílios necessários para a construção da ponte, na zona da Guarda Inglesa onde se faziam em tempos a feira dos sete e dos vinte e três.
Tinha também uma barca que navegava entre as duas margens nos tempos que que a caudal era mais forte. Segundo as memórias mais longínquas da minha querida mãe, o Sr. Modesto tinha um empregado que era amputado de um braço, a quem chamavam o "maneta". Este homem, mesmo com esta deficiência, manobrava a barca com a mestria dos que tinham os dois membros intactos.
Cobrava se uma pequena taxa e assim ganhavam o pão de cada dia.
A fome era muita.
Os tempos eram difíceis.
No entanto, também a força do Mondego era imprevisível.
No ano de 1978, uma corrente particularmente violenta, arrastou uma destas últimas pontes de madeira que ainda existia na zona de Pé de Cão, levando consigo não apenas a estrutura, mas também a esperança de muitos. Infelizmente, essa tragédia resultou na morte de cinco caçadores que naquele fatídico dia, se encontravam na travessia desta ponte. Só uma dessas pessoas sobreviveu e manteve o seu silêncio até aos dias de hoje. A notícia correu rápidamente por toda a cidade, deixando um rasto de lágrimas e tristeza em Coimbra. Ficou conhecida como a tragédia do Mondego.
As mortes e o rasto de destruição, acabaram com essas pontes.
Ainda assim, hoje, essas estruturas, continuam a ser um marco histórico nas recordações da nossa cidade. Na memória colectiva dos mais idosos, que pagando vinte centavos, um valor que garantia à comunidade a continuidade daquele serviço vital. As crianças corriam muitas vezes em cima da ponte, saltavam para o areal e subiam mais acima para não pagarem a passagem.
Com os anos, a ponte do Sr. Modesto foi se tornando uma lenda, não apenas pela sua resistência, mas pela história de vida que carregava. Os barqueiros de Coimbra, com suas mãos marcadas pelo trabalho árduo e corações cheios de determinação, tornaram-se ícones das comunidades que conviviam diariamente com eles.
Assim, a sua história e a do "Basofias "perdurou através do tempo, recordando a cada geração a força do espírito humano diante das adversidades e a importância da união em momentos de necessidade. Hoje já não existem estas pontes e os barqueiros que as construíam. Tampouco o vasto areal nesta zona onde passa agora a ponte açude. A lenda do poço do Almegue esvaiu- se no tempo. Resta do outro lado uma placa que ficou como:
Rua do Modesto, em homenagem a este homem habilidoso, construtor de pontes e de sonhos.
E assim, mesmo quando as águas correm e tomam novas formas, a memória dos" barqueiros" e das pontes de madeira permanece viva nos corações dos que vive à sombra do majestoso Mondego.
Manuela Jones
Novo Canto
Mondego chora por mim
As lágrimas que eu sei de cor
O que há-de ser de mim
Se já não sei do meu amor.
Mondego chora por fim
As lágrimas que minh'alma tece
Pois parece que não tem fim
A solidão que me amanhece.
Mas hoje seca teu pranto
Ergue os olhos levante a voz
Que nascerá de nosso canto
Que nos fará não sentir sós.
Eduardo Filipe