A MORTE
A morte assusta-nos. É inevitável. Acaba com os sonhos, as vontades, as perspectivas de futuro. É um momento único de dor dos vivos, mas parte incontornável da vida.
Acontece sem que nos consigamos despedir de alguém que amamos, dos verdadeiros amigos, das posses que adquirimos com tanto sacrifício. Um facto assente da vida e cada hora do nosso passado pertence à morte.
Deixa os nossos familiares sozinhos, desamparados, surpreendidos, tristes, abandonados. Os nossos amigos ficam surpreendidos. Elevam-nos como boas pessoas, mesmo que nunca tivessem tomado tempo para nos escutar, para nos aconselhar, para nos estender a mão.
Os que não gostam de nós, revelam o seu contentamento, fazem passar a palavra do quanto asquerosos nós éramos, do tipo de má rés enquanto fomos vivos, dizem o pior. Se pudessem, mergulhariam o nosso corpo em fezes, óleo a ferver, cortavam-nos em pedaços e depois queimariam os bocados em lume brando para fazer doer.
Os que embarcam, nada mais sentem. Deixa de haver ódio, repudio, separação, ambição, conflito, quezílias de família, argumentações, racismo, vontades, objetivos…
Gostaria de saber dizer que se deve viver como quem sabe que vai morrer e pelo menos que se morra como quem soube viver honradamente, sem dependências de alguém. Livre!
Diz o conhecimento popular que só na agonia da despedida somos capazes de compreender a extensão do nosso amor.
Valerá a pena viver?
Para quem tem posses, sim. Tem tudo à disposição. Estala os dedos e aparece o que deseja à sua frente. Para os não afortunados, não sei.
Luta-se uma vida inteira para se conseguir os mínimos de conforto e estabilidade e depois morre-se sem que se possa usufruir da maioria do que geramos, do que conseguimos obter. No entanto, se se quiser suportar a vida, fica-se pronto para aceitar a morte.
Mas quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?
Nas nossas vidas, a morte, as percas, são inevitáveis. A capacidade de ser feliz reside na nossa adaptação em sobreviver aos maus tempos, aos infortúnios. Na realidade, a morte não melhora ninguém e é sempre, e em todas as circunstâncias, uma tragédia. Se não for, quer então dizer que a vida pessoal foi a tragédia.
Não há nenhuma prova de reencontro com as pessoas queridas no além, mesmo que isso seja apregoado pela fé religiosa. Um apego que nos faz pensar que iremos para a luz, pelo caminho certo. De uma forma ou de outra, tememos o nosso próprio fim. Quem sabe se pensando e aprendendo sobre esse imbatível acontecimento, o possamos encarar de forma mais corajosa.
Diz-se que os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez. Por outro lado, diz-se que ninguém morre. Seja como for, a despedida é um momento de tristeza, em que corações se preparam para viver uma saudade e não é para menos, pois a dor de perder alguém que amamos é tão grande que se torna difícil pensar noutra coisa senão no sofrimento e na saudade.
Os vivos, os que se mantém à tona da água, aprendem que é possível seguir em frente, não importando o quanto pareça impossível. Com o tempo, a dor diminui, pois estamos demasiado distraídos com as dificuldades provocadas à nossa própria vida para lhe dar o valor que necessita para nos agarrar.
Tudo que podemos fazer é aprender a não ter medo da dor. Apertam-se os dentes e deixa-se doer. Não se deve tentar escapar, mas também não se deve deixar abater. Não vai durar para sempre e um dia, a dor terá desvanecido o suficiente como o nevoeiro. Quem sofre, continuará a ser o que era.
Afinal, para quê preocupar-mo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro. Para ser honesto, não é da morte que devemos ter medo, mas simplesmente de pensar nela e de viver mal a vida que temos. O fim chegará e nem tempo temos para pensar para que vivemos. Apenas sabemos que estamos aqui, a tentar sobreviver da melhor forma que conseguimos e sem arrependimentos.
Antes do final, sejamos minimamente felizes.
José Ligeiro