ABANDONO

JO JONES89

 

Os leitores que acompanham as minhas crónicas conhecem bem o amor e o respeito que nutro pelos animais, sejam eles meus ou aqueles que, por descuido, foram abandonados.

Hoje, quero partilhar a história de uma gata que se cruzou na minha vida e a quem chamei Rita. Com ela, iniciou-se uma aventura na quinta, um lugar onde a vida e a esperança se cruzam de maneira surpreendente. Não será o Simba de quem já escrevi as suas aventuras e que faz parte da nossa família animal, mas sim da Ritinha, uma pequena guerreira que nos ensinou muito sobre o amor, a coragem e a luta pela sobrevivência.

Foi numa manhã serena, quando o sol começou a erguer-se por detrás das árvores, que a Rita apareceu. Magra, prenhe e com um olhar que refletia a dor do abandono. Ela procurava um abrigo e comida para saciar a sua fome. O seu olhar, ao mesmo tempo triste e determinado, falava mais alto do que qualquer palavra. Não estava apenas à procura de um lar seguro; trazia consigo a promessa de vida, uma nova geração que precisava de proteção. Num canto acolhedor da quinta, Rita deu à luz vários gatinhos, que, apesar das adversidades, eram pura doçura e inocência e precisavam de proteção.

Nos dias que se seguiram, a mãe, na sua luta incessante pela sobrevivência, trouxe os filhotes até mim, como se dissesse: “- Ajuda-os como já me ajudaste. ”

O instinto materno era visível em cada gesto, e eu não poderia ignorar aquele apelo. Alimentá-los tornou-se a minha missão, um ato de amor que me ligava a eles. À medida que os pequenos cresciam, a vida na quinta expandia-se, mesmo no meio de todos estes desafios.

Os gatinhos, no entanto, eram "bravios" e desconfiados. A liberdade era tudo o que conheciam, e a sua natureza cautelosa tornava a aproximação difícil. Com paciência e persistência, fui tentando conquistar a sua confiança , dia após dia. Alguns começaram a aproximar- se, formando laços, mas a responsabilidade que pesava sobre mim era enorme. Era imperativo agir; não podíamos deixar aqueles seres inocentes condenados a uma vida de sofrimento com a multiplicação que não tardou alguns meses depois, tornando a natalidade fora de controlo.

Decidi procurar ajuda em várias associações, mas as respostas foram escassas ou nulas. O canil municipal de Coimbra mostrava-se sobrecarregado e lutava contra uma "maré" de animais abandonados. Contudo, a esperança não me abandonou. Após uma reunião onde expus a minha situação, percebi que o dia da captura dos gatinhos ainda não chegara. Era um momento crucial, com a possibilidade de esterilização e um futuro mais seguro. Tudo se começava a desenhar à minha frente, mas tive vários meses a aguardar soluções. Logo o dia chegou embora com bastante atraso e uma colónia que já ultrapassava a dezena de gatos/as.

A captura não foi uma tarefa simples. Os gatinhos eram astutos, trepando paredes e esquivando-se da minha presença. Enquanto algumas fêmeas que ainda alimentavam as suas crias, decidi deixa-las livres, respeitando o instinto que as levava a cuidar dos seus filhotes. A sua captura ficaria para mais tarde. Mas os pequenos, esses irão para adoção, à procura de um lar que os acolherá com amor.

A responsabilidade de cuidar de tantos animais é um fardo pesado. Sei que a minha aventura está longe de terminar. Cada refeição que recebo de algumas pessoas amigas, é uma dádiva para mim e o meu coração enche-se de gratidão, mas também deixo um apelo profundo à consciência: não adotem se não reúnem condições. O abandono é uma chaga que precisa de cura, e cada vida perdida é uma história que poderia ter sido diferente.

Em cada manhã, enquanto o sol iluminava a quinta, olho para os gatinhos que diariamente me esperam e percebi que, mesmo no meio do abandono, há esperança a renascer. Uma esperança que brota daqueles pequenos seres, cujas travessuras, brincadeiras e olhares curiosos trazem alegria e um propósito renovado à minha vida. Assim, juntos, continuamos a lutar, um dia de cada vez, sonhando com um futuro melhor.

Hoje, sinto uma profunda gratidão ao Gatil Municipal de Coimbra pela esterilização de sete animais que conseguimos capturar, bem como pelos cinco bebés que foram adotados. Embora ainda haja muito trabalho pela frente, este é um começo significativo. Que a história da Rita e dos seus gatinhos inspire mais pessoas a agir e a refletir sobre a responsabilidade que temos para com aqueles que não podem falar por si mesmos. Que o abandono animal deixe de ser uma realidade e que possamos construir um mundo mais justo e acolhedor para todos os seres vivos. Que cada vida resgatada se torne um farol de esperança, a iluminar o caminho para um futuro onde o amor e a compaixão prevaleçam.

M. Jones