ALMA ALADA

angel-749625-1280.jpg

Hoje nasci pássaro. Colorido, vivo, brilhante de vida. Enchi-me de mim e parti com destino.

Logo de manhã, timidamente e sem pressa, a primavera pincelava a paisagem com as suas cores preferidas, um rubor de sol nascente. No ar, uma brisa morna envolvia o azul líquido e silencioso que beijava a praia. Recordei-a fresca, cheia, gritante, nos dias em que a luz cortante feria os olhos, cheirava a sol e a mar. Reconheci cada seixo, cada rochedo, cada amor.

Chamou-me o azul e deixei-me ir na luz viva e bem-disposta, rumo à casa. A casa. A primavera soprava com tanta força que era impossível não sentir a sua presença. A alegria subiu e alargou-se como um nevoeiro, enchendo-me a ideia. A casa era tão fresca que se ouvia o branco. Reconheci cada traço, cada ruga, cada sinal. E o som daqueles dedos a sapatear em cima da mesa, arranhando o cérebro à superfície e fazendo barulho onde nem pensava que tinha ouvidos.

O sol arrastava em liberdade a sua cauda fulgurante quando pousei perto de ti. Pensei que rever-te seria como quando nos dias de chuva intensa os horizontes se fecham ao fim da rua. Mas, na quietude da tarde quente, recordei o teu riso e o teu olhar.

O dia morria quando as minhas asas se fecharam. Procurei-me em quem fui, percorri passados. A viagem demorou o tamanho da minha saudade.

Hoje nasci pássaro. Amanhã nascerei raiz bem presa à terra, de novo.

 

PC