Arte e Manha

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Foi sempre um malabarista, no palco e na vida.

Ainda criança, impressionava os adultos ao lançar três bolas ao ar, lá as mantendo, durante um minuto, sempre em movimento.

Quando entrou na Escola Primária e descobriu que do seu mundo também fariam parte meninas, logo começou a usar com elas a técnica que aplicava ao malabarismo, num misto de desafio, equilíbrio e arte.

Um dia, percebeu que, ao contrário das bolas, algumas meninas eram seres pensantes. A mais velha das suas três namoradas da altura descobriu-lhe a arte e a manha, ao ler um bilhetinho que o mariola enviara à concorrência. Marcou encontro com ele atrás de um dos blocos da escola, onde, ao chegar, o “artista” se deparou com as três raparigas. A tareia deixou-o marcado, mas só no corpo.

O tempo, a experiência e a tenacidade foram-lhe permitindo aperfeiçoar-se, tanto na manipulação do crescente número de bolas e variedade e perigosidade de objetos, como na do crescente número de mulheres e perigosidade da sedução. Da primeira fez profissão, da segunda devoção.

Foi a devoção que o perdeu. Já a entrar nos 60, depois de uma vida dedicada à arte do malabarismo e à da sedução em larga escala, eis que novo “bilhetinho” o faz perder-se. Em agitada época de redes sociais, nada há que não se descubra, como sabemos. É válido para políticos, empresários, figuras mais e menos famosas e, claro está, “artistas”. Certo dia, uma das vítimas deitou os olhos - na verdade, garras, unhas e dentes! – às palavras do sempre mariola para outra crédula nesta coisa estranha a que chamam amor. Desta vez, não houve nódoas negras nem olho inchado. O orifício ensanguentado, no meio da testa do malabarista custou à vítima uma década de encarceramento. Não havendo família próxima, o homem foi enterrado em campa rasa e o assunto morreria aí, não fora o despeito de várias das suas outras vítimas. Solidárias com a assassina, encarceraram o corpo do “artista”, erguendo uma pequena, mas sólida muralha de grades de ferro sobre a campa.

Última tentativa de lhe encarcerarem a alma e a compulsão para seduzir.

Reza (esta) história que outros profissionais do “género”, comparsas do nosso artista, passaram a especializar-se na arte da encriptação de bilhetinhos de amor!

 

                                                                                                                                                                                                                                                                 PC