DESAFIOS DEMOCRÁTICOS NA CMC
Ou convivência democrática em análise: desafios na comunicação política na Câmara de Coimbra
Entre o comando e o consenso: o papel do presidente e o valor do contraditório em debate
Com o avançar do atual mandato autárquico — e de forma particularmente notória nos dois últimos anos — tem-se vindo a acentuar um declínio na qualidade do debate político durante as sessões públicas da Câmara Municipal de Coimbra. Mais do que os conteúdos em discussão, é hoje o próprio clima relacional entre os membros do executivo que desperta inquietação pública. O que em tempos se julgou ser meras dissonâncias pontuais evoluiu, aos olhos de muitos, para um estilo de comunicação marcado por interrupções recorrentes, confrontos verbais e um progressivo esvaziamento do espírito colegial.
Entre os momentos mais observados pelos presentes nas sessões e pelos muitos cidadãos que acompanham as reuniões públicas através das transmissões em direto na página oficial do Município de Coimbra no Facebook e no respetivo canal de YouTube, destacam-se os episódios de tensão entre o presidente da autarquia, Dr. José Manuel Silva, e a vereadora Regina Bento. Interrupções frequentes, uso de linguagem agressiva e acusações verbais marcaram algumas reuniões de câmara, levantando questões sobre os limites do discurso institucional e o papel da presidência enquanto moderadora do espaço democrático local.
Embora o confronto de ideias seja natural e até desejável em democracia, o modo como se conduz esse confronto é determinante para a saúde institucional. Quando o tom sobrepõe o conteúdo e a forma esconde o respeito, importa refletir: estaremos perante o normal funcionamento da vida política democrática ou a assistir, de forma gradual, à erosão do espaço de escuta e pluralidade? A questão impõe-se à medida que certos comportamentos — como interrupções sistemáticas e acusações em tom elevado — se tornam recorrentes. Há quem defenda, como o próprio presidente José Manuel Silva já afirmou em sessão pública, que as intervenções em real time — mesmo quando interrompem o uso legítimo da palavra por parte de outros membros do executivo — conferem dinamismo ao debate. Contudo, o efeito visível é outro: mais do que vivacidade democrática, instala-se o ruído, a dispersão e, por vezes, a crispação. E com isso esvai-se a possibilidade de um diálogo sereno e construtivo, como se exige num órgão colegial de representação pública.
A perceção pública começa a dividir-se. De um lado, há quem veja nas atitudes do presidente uma expressão de firmeza política e intolerância a determinadas estratégias de oposição. Do outro, cresce a inquietação face ao que é percecionado como um padrão de comunicação agressiva, especialmente dirigido a intervenções da vereadora mencionada, o que, num quadro mais amplo, levanta discussões sobre igualdade de tratamento e respeito pelo contraditório — essenciais em qualquer órgão colegial.
Este cenário não é exclusivo de Coimbra, refletindo um fenómeno mais vasto na política contemporânea: a personalização do discurso, o desgaste do diálogo institucional e a tendência para posicionamentos de confronto direto em detrimento da construção coletiva. Cabe, por isso, a todos os atores políticos — independentemente do seu lugar na hierarquia — refletirem sobre o impacto da sua linguagem e a imagem que projetam da democracia local.
A Câmara Municipal não é apenas o centro das decisões administrativas, mas também um espelho da cultura democrática da cidade. O modo como os seus membros comunicam entre si tem um efeito direto na confiança dos cidadãos e no respeito pelas instituições. Moderação, escuta ativa e contenção retórica não são sinais de fraqueza, mas ferramentas fundamentais para a convivência democrática num tempo cada vez mais polarizado.
Coimbra merece um executivo que respeite as suas instituições, os seus eleitos e o espírito democrático. A cidade e os seus cidadãos não podem assistir, em silêncio, à degradação do debate político e ao uso do poder para descredibilizar quem ousa pensar de forma diferente.
Sugiro a colocação deste cartaz à entrada das salas onde decorrem as reuniões das Câmaras Municipais por esse Portugal Autárquico fora, como lembrete visual e pedagógico dos princípios de convivência num espaço verdadeiramente democrático.
Termino esta ideia, com a seguinte afirmação: "Num tempo em que o ruído ameaça substituir o debate, urge lembrar que democracia não é quem fala mais alto — é quem ouve melhor."
Daniela Sousa - Cidadã atenta à vida pública e à saúde democrática que se vive, em Portugal, na generalidade, e à realidade autárquica de Coimbra em particular.