DO DOCENDO DISCIMUS
Como é meu apanágio, começo este texto com um provérbio em Latim.
Quem me conhece sabe que tenho um fascínio por axiomas na língua vera, precisamente pela capacidade desta língua de, com poucas palavras, induzir mais de mil imagens, vulgo, interpretações.
Neste caso, 'Docendo discimus' é um lema comumente usado em várias instituições de ensino e que literalmente se traduz para "Da discência, (vem) a docência" ou, "A ensinar, aprendemos". Outra interpretação que gosto de aplicar é a de que "os Professores nascem dos alunos" ou, que "Os Professores são alunos" indicando a natural condição humilde de que é precisamente o imenso conhecimento adquirido que se reconhece a si próprio como sendo limitado, sendo então necessário a abertura para aprender mais.
É na interiorização deste busílis que eu creio que está a semente para se ser um bom Professor, seja primário, universitário, de flauta ou de bola. Um bom Professor tem que ser aluno, não só no sentido da abertura ao conhecimento, mas também no exercício de empatia que é necessário fazer para se adaptar a alguém que tem uma evolução cognitiva diferente e menos desenvolvida que a nossa.
Todos nós tivemos Professor cuja seu longo percurso lhes deu um poço de sapiência. No entanto, é comum o Professor que se mantem nos seus métodos, não se apercebendo que muitas vezes já não são adequados ou indicados para as expectativas das gerações actuais.
Em tempos, o ensino era "copiático" e "muitoestudáceo". O Monge-Lente lia a passsagem filosófica que o aluno reescrevia e assimilava ferradamente. Hoje em dia, existe uma muito maior dinamização das aulas mas ainda perduram alguns casos de Professores que, apesar de serem exemplares polímatas, o seu método de transferência de conhecimento é enfadonho e aborrecido. Não se trata somente de actualizar o slide em acetato para o slide em powerpoint, mas sim da abordagem, da forma e linguagem emotiva com que é feito o ensinamento.
Apercebi-me deste fenómeno num local que poucas vezes é conotado com o ensino. A Praxe. Na sua maior virtude, a Praxe é um momento de transferência de conhecimento. Através de meios pouco ortodoxos, de certo, mas é.
Não se trata de um conhecimento técnico, mas emocional. Num ambiente onde é reconhecido uma autoridade e um autorizado, que é regido por uma lei privativa e voluntária, a chave para o sucesso das iniciativas está no respeito adquirido. Tal como as aulas teórica que são uma seca e que ninguém vai, também na Praxe a existência de bons Professores (os Doutores) correlaciona com uma maior participação e adesão da parte dos Caloiros (os Animais). Os bons Doutores conseguem naturalmente adquirir o respeito dos seus colegas. Outros, acabam por ter que o exigir. Ao longo das gerações de Caloiros que tive, deparei-me com a situação de que, para anos diferentes, tinha que alterar os meus métodos por forma a ter sucesso. Para o meu objectivo de ter mais Caloiros a participar na minha aula, tenho que ser eu, o Professor, a conseguir demonstrar que a minha aula é indispensável para eles.
Se num ano eu podia fazer piadas sobre o Dino dos Morangos com Açúcar, noutro ano, tive que fazer com o Angélico. De igual forma, há certas brincadeiras que eu faço com X grupo de Caloiros que, com grupo Y, tenho que ter uma abordagem diferente para conseguir transmitir eficazmente o mesmo ensinamento. Nesta pequena analogia, o ensinamento permanece o mesmo, no entanto é o método que se altera. Afinal a hipotenusa continua, e continuará, a ser igual à soma do quadrado dos catetos.
Foi então esta estranha colateralidade da Praxe de...ensinar-me a ensinar, que me incentivou ao meu cargo actual de Dux Veteranorum. Se antigamente o lugar de Dux era visto como o cábula-mor da Universidade, tem actualmente uma tarefa muito mais árdua, que é a de ser Professor da Tradição, ao invés de policia. Mais árdua pois é necessário que as pessoas queiram aprender, ao invés de serem forçadas à aprendizagem. Na prática, é uma troca da quantidade pela qualidade. E mais longe chegarei, espero, pois em concordância com a máxima do 'Docendo Discimus' este ano envergarei a capa de Assistente Convidado para dar aulas (a sério), num volte-face irónico e delicioso de ver então, um Dux Veteranorum tornar-se Professor Universitário."