FATO NOVO 2

MANUELA JONES40

 

O Manuel chegou a Chelo com seu novo fato e, depois de cumprimentar a família, presenteou sua esposa com café em grão e um moinho de madeira para moê-lo.

Esses moinhos, com a gavetinha, que hoje são autênticas relíquias. Trouxe também tâmaras. Naquela época, ninguém bebia café em grão em Portugal e poucos sabiam o que eram tâmaras.

A mulher, queixosa, contou- lhe que, apesar de todos os esforços, do dinheiro gasto que lhe tinha mandado de França para obter os passaportes, não o havia conseguido. Eles só puderam fazer os bilhetes de identidade em Coimbra. A santa mulher que se deslocava a pé de Chelo a Coimbra com todas as crianças para tratar da documentação em segredo. Ninguém podia saber as suas intenções de partir clandestinamente.

Naquela época, as paredes tinham ouvidos e as "bruxas" trabalhavam muito para a PIDE.

Quinze dias depois de ter enterrado o pai, Manuel disse à mulher:
- Arranja os sacos e a merenda, pois amanhã o Ferrão vem com os táxi para nos levar a Vilar Formoso. Mas vais dizer a todos que vamos a Lisboa.

Assim, os filhos não iriam contar à família e aos vizinhos . As conversas mais íntimas eram feitas em cima do travesseiro da velha cama de ferro e do colchão de palha. Os filhos também.

No dia seguinte, lá estava o Ferrão com um táxi e com outro motorista para o segundo carro que os iria levar. As crianças amontoaram-se junto com os sacos da merenda, roupas e o garrafão de palha cheio de vinho tinto para dar força às pernas durante a dura caminhada que teriam que enfrentar. O soalho do táxi estava mais gasto do que os sapatos e as roupas dos miúdos e via-se a estrada. Fernando e Manuel, os filhos mais velhos, olhavam os buracos, sempre com receio de ficarem sem chão.

Em Vilar Formoso, Diamantino, passador experiente, levou-os por caminhos montanhosos e difíceis, onde não arriscavam encontrar os carabineiros. O silêncio era total. Ninguém dizia uma palavra. Estava frio e as crianças choraram de medo e fome sem um gemido. Tinham que chegar ao outro lado em silêncio. A mãe com o mais novo ao colo, ia tirando o seio ainda cheio de leite para que não chorasse. Os mais velhos, carregavam os sacos e a tristeza da aldeia de Chelo que deixaram para trás.

Diamantino trazia uma pistola no bolso e dizia que já havia matado dois guardas. Conseguiram atravessar e depois de muito esforço chegaram a Andaya. Havia mais um táxi para levá-los ao destino que teriam que aguardar. Se até então estavam todos amontoados nos carros do Sr. Ferrão, agora só precisavam ter fé em Deus e no futuro, pois só havia dinheiro para um carro que iria transporta- los até França.

Fernando, o segundo filho, dos doze que o Sr. Manuel fará durante a vida, ao sair do táxi já no destino, caiu desamparado. Julgava que a estrada estaria cheia de farinha. Era a neve que ele nunca tinha visto. Naquele mês dezembro em que chegaram, a paisagem da pequena vila medieval de Cruas na região de Ardeche, estava toda pintada de branco.

Já tinham uma casinha humilde que os esperava. O Manuel embora não fosse um homem muito carinhoso, nunca deixou que as crianças passassem fome. A mãe, costurava as roupas em casa, que eram entretanto doadas pelos habitantes locais e tratava dos filhos e da casa. Afinal a aprendizagem da costura com a esposa do Sr. Calhau serviu- lhe bastante. Naquela vila de Cruas só existiam duas famílias com um número tão elevado de filhos. A sua de doze e da família Reynaud, com treze.

Um dia em conversa, perguntei ao Sr. Manuel porque é que teve tantos filhos, estando ele num país muito mais desenvolvido onde poderia ter tido ajuda para evitar tanta natalidade. Afinal teria evitado tantas bocas a comer e poupado a esposa que pariu crianças até aos quarenta e seis anos. Esta santa mulher foi uma escrava durante a vida.
Ele simplesmente respondeu-me:
- Eu sempre sonhei ter muitos filhos.
Fiquei em silêncio. Afinal cada um é dono dos seus sonhos.

A vida seguiu o seu rumo, e agora já em França, as crianças mais velhas tinham que ir para a escola aprender a falar e a escrever francês.
Portugal e a aldeia de Chelo tinham ficado à espera que regressassem em agosto do próximo ano.

Por isso eu regresso na próxima semana para vos contar mais algumas aventuras.

Manuela Jones