FELICIDADE - ESSA COISA ESTRANHA

MARCELO GOMES1

 

Acordei escrever um artigo de opinião para o jornal O Ponney, imediatamente depois do convite formulado por José Gomes.
Pois tinha este assunto arrumado na gaveta e desarrumado no meu coração sobre essa coisa da felicidade ou da infelicidade. A realidade é que sempre é mais fácil falar da ‘infelicidade’ do que explicar o que é a ‘felicidade’.

Por não ser diferente dos demais é que uma das minhas maiores infelicidades é ver no meu país seres humanos que exibem uma riqueza extravagante e uma pobreza abaixo do miserável. Corta-me o coração ver tanta gente sem demonstrar que o é.

Frequentemente, mais do que desejava, encontro nos mais pobres o amor e nos mais ricos a arrogância de serem eles a controlar o seu destino e a acreditarem que a pobreza é uma condição exclusiva das suas escolhas. Numa atitude de cada vez maior egoísmo tonto.

Ainda na semana passada uma pessoa, que apanhava papel na rua para vender, veio ter comigo para me ajudar, tendo o cuidado de dizer que nada queria. Oferecia os seus préstimos, mas nada queria.
Já uma pessoa que conheço e que é dono de 3 estabelecimentos, que me dirigi para colar um cartaz, cobrou-me uma garrafinha de água que pedi para me refrescar do calor forte que se faz sentir. Esperava-se um gesto de simpatia oferecer água a um conhecido. Um simples gesto, quer do homem que apanhava papel para vender e outro um rico proprietário com uma diferença de minutos.

Mas onde cabe aqui esse assunto da felicidade?

O Senhor (cabe-me escrever em letra maiúscula) que apanhava papel, sorria e era feliz, já o proprietário nunca sorriu e mostrava a sua enorme infelicidade. Tinha muito bem material, mas de nada lhe servia. Pois o dinheiro e o desejo de ter mais cegavam-no.
Contou-me que tinha regressado a Portugal e tinha visto que os preços dos bens essenciais tinham aumentado muito. No entanto apressava-se a dizer que para ele não sentia esse custo de vida, pois era uma pessoa com muitas posses. Confesso o meu erro por não conseguir segurar uma enorme gargalhada, mas nada havia a objetar. Não era necessário falar, pois o Padre Antônio Vieira dizia que havia 3 tipos de pessoas: as pedras, os espinhos e a terra fértil.

Quando sai do estabelecimento pensei como o proprietário era um homem muito pobre e como o “catador de papel” (como dizem por cá) era um homem muito rico. Este último era uma pessoa com mais possibilidades que preferia descobrir o mundo e viajar, substituindo o conceito tradicional de lamentação pela da aventura. Desapegava-se das obrigações e lamentações dos que ficam pelos soluços de felicidade.

A felicidade do catador é a de um mestre que me ensinou muito sobre a felicidade e que partilho para quem acha serventia neste texto.

Marcelo Gomes