HOMENAGEM AOS ACENDEDORES DE CADEEIROS

JO JONES24

 

No vasto panorama das profissões que já se perderam no tempo e que eu tenho vindo a recordar nos meus textos, emergem como verdadeiras relíquias as histórias dos "vaga-lumes" ou "caga-lumes". Os acendedores de candeeiros de rua do século XIX. Numa época em que as noites eram profundas e a escuridão predominava, estes homens eram os guardiões da luz, trazendo segurança e calor ao coração das cidades portuguesas. Ao relembrarmos esses ofícios extintos, não podemos evitar uma certa nostalgia por um tempo em que a simplicidade das profissões era um reflexo da pureza dos laços humanos. Eu já não sou deste tempo nem destas gerações, no entanto fico enternecida ao ver os filmes portugueses bastante antigos, a preto e branco, onde estes homens ainda eram ativos. Quem não se recorda do grande ator Vasco Santana a falar para um candeeiro ainda aceso desta forma?

O ritual começava ao anoitecer, quando os acendedores tomavam em mãos o longo bastão com uma chama na ponta para iluminar os candeeiros a gás que pontilhavam as ruas. Os materiais utilizados na época eram modestos, o bastão de metal ou madeira, uma pequena lanterna de óleo presa à cintura e a determinação inabalável dos que se dedicavam a esta extenuante tarefa. Com passos firmes, percorriam quilómetros noite adentro, ziguezagueando pelo intrincado labirinto urbano, garantindo que a escuridão não superasse a luz.

Para os "vaga-lumes", a profissão não era apenas uma ocupação, mas um ofício de sacrifício e devoção. As noites enregeladas de inverno e as madrugadas húmidas não os demoviam, pelo contrário, reforçavam a sua importância numa altura em que a evolução tecnológica era incipiente e a iluminação elétrica apenas começava a germinar nas mentes mais visionárias.

É impossível não pensarmos com ternura nas vidas destes homens, que, com uma labareda humilde, guardavam histórias sob a brisa noturna. Entre a penumbra e a luz, preservavam as tradições e o quotidiano urbano. Tinham consciência do seu papel fundamental. O de guardar a cidade e os seus habitantes, permitindo encontros nos salões, tertúlias nos cafés e caminhadas despreocupadas por ruelas que, de outra forma, se tornariam inóspitas. A primeira centelha de luz elétrica em estreou- se em Portugal com a iluminação da Cidadela de Cascais, no aniversário do rei D. Carlos I, em 1878.

Este acontecimento trouxe, aos poucos, uma mudança nas ruas iluminadas a gás. Gradualmente, a inovação elétrica foi desenhando um novo horizonte, apagando as labaredas manuais e convertendo o papel dos "vaga-lumes" em memórias de uma era que se transformava.

Hoje, caminhamos por cidades ofuscadas pelas luzes brilhantes da modernidade, mas onde os corações parecem, por vezes, mais apagados e frios. Os guardiões das noites já não vagueiam com o seu bastão, e a suave chama que iluminava as ruas deu lugar a luzes incessantes que, apesar de brilhantes, não aquecem como antes. Assim, recordamos e prestamos homenagem àqueles que, ao calar da noite, se transformavam em personagens essenciais de um Portugal em mudança como homens como estes a iluminar os caminhos e as ruas negras e frias. Um testemunho de um tempo em que a luz não era apenas uma fonte, mas uma conexão entre as almas.

Manuela Jones