MINAS DE SÃO DOMINGOS E ESCRAVATURA DOS TEMPOS MODERNOS

JO JONES73

 

Há relativamente pouco tempo, tive a oportunidade de visitar a Mina de São Domingos, localizada na freguesia de Corte de Pinto, em Mértola. Até então, desconhecia a profundidade da história que este lugar carrega.

Ao caminhar pelos vestígios da antiga mina, tentei recuar no tempo, imaginando o sacrifício daqueles homens que, sob condições extremamente difíceis, trabalhavam arduamente para extrair os recursos que sustentavam a economia da região. As cenas que se formaram na minha mente lembraram-me imediatamente um antigo filme sobre os romanos e a escravatura, onde a exploração da força de trabalho humano era uma realidade cruel e incessante.

Inserida na Faixa piritosa ibérica, uma região que se estende desde o rio Sado até ao Guadalquivir, a mina foi um importante centro de extração de metais como cobre, zinco, chumbo, entre outros. A sua exploração "moderna"teve início em 1854, quando a empresa britânica Mason & Barry assumiu as operações, estendendo-se até 1966 e deixando um impacto significativo, marcado por sacrifícios humanos e transformações ambientais profundas e dificilmente recuperáveis.

A atividade mineira em São Domingos, remonta a vários períodos históricos, incluindo a época romana e o período islâmico. Contudo, foi a exploração contemporânea que definiu a importância da mina. Durante mais de um século, foram extraídas mais de 20 milhões de toneladas de minério, tornando-a na maior exploração mineira portuguesa até à década de 1930.

Os mineiros, na sua maioria homens que procuravam o seu sustento, enfrentavam longos dias e noites de trabalho em condições insalubres, muitas vezes sem as mínimas medidas de segurança. O que vi em São Domingos foi mais do que um espaço físico, foi uma triste lembrança do preço pago por aqueles que, na procura de uma vida melhor, se viram aprisionados numa roda de exploração.

As condições de trabalho eram brutais. Os mineiros lidavam com o perigo constante de desabamentos, doenças respiratórias e a dura realidade de um sistema que não valorizava a vida humana. Para muitos deles, a luta diária era um reflexo da opressão que também sentiram na pele durante o regime autoritário do Estado Novo. As greves e as reivindicações por melhores condições eram frequentemente reprimidas, e aqueles que ousavam levantar a voz em defesa dos seus direitos laborais enfrentavam severas consequências para si e para as suas famílias. O silêncio imposto pela repressão política tornava-se um eco nas galerias escuras da mina, onde o trabalho árduo não era acompanhado por reconhecimento ou dignidade.

As Minas de São Domingos foram um motor de desenvolvimento local, mas também uma fonte de degradação ambiental. A exploração intensiva resultou na geração de milhões de toneladas de resíduos, que afetaram a qualidade do solo e da água, deixando uma marca na paisagem. O que antes era um espaço saudável e produtivo tornou-se, após o encerramento das atividades mineiras, um local de abandono e poluição, onde a memória dos mineiros se mistura com as cicatrizes deixadas pela exploração desenfreada.

Hoje, ao visitar o antigo complexo mineiro, percebo que muitas das casas dos mineiros foram transformadas em turismo de habitação, e a vasta represa, que outrora simbolizava a dureza do trabalho, converteu-se numa aprazível praia fluvial. Este ambiente que, atualmente, atrai visitantes na procura de lazer e tranquilidade, não deve fazer esquecer o sacrifício daqueles que trabalharam sob condições tão adversas. Notei que os vizinhos espanhóis gostam de frequentar aquele cantinho e alguns jovens que ali tomavam banho, depositaram numa pequena ponte de madeira a bandeira espanhola retirando-a quando partiram.

A história destas minas é uma narrativa que merece ser contada e lembrada. Não se trata apenas de um relato de exploração e sofrimento, mas também de uma reflexão sobre a força e a resiliência humana. A transformação deste espaço, que agora oferece um refúgio de lazer, não deve levar ao esquecimento das injustiças do passado. A classificação do conjunto mineiro como “Conjunto de Interesse Público” em 2013 é um passo importante para a valorização do património e para a resolução dos problemas ambientais que ainda persistem.

Enquanto observava as águas tranquilas da represa, não pude deixar de refletir sobre o contraste entre a serenidade do presente e o sofrimento que ali se viveu no passado.

É fundamental que essas memórias sejam preservadas, não apenas para honrar aqueles que trabalharam nas profundezas da mina, mas também para educar as futuras gerações sobre a importância dos direitos laborais e da dignidade humana.

Ao caminharmos por esta linda região de Portugal, que agora respira tranquilidade, devemos lembrar das vozes mudas de medo, que muitas gritaram por justiça e pelas melhores condições de vida. Agradeço algumas informações prestadas pelo diretor do nosso jornal, José Gomes, um excelente historiador e do maravilhoso fim-de-semana que me foi proporcionado por alguém muito especial.

Todos estes fatores conduziram-me a fazer esta crónica, para que estes homens e mulheres nunca sejam esquecidos.

Bom fim de semana.
Boas leituras.

Manuela Jones