PORTUGAL DEVE DEVOLVER O OURO DO BRASIL?
Hoje, como no passado, é ensinado aqui no Brasil que Portugal roubou o ouro do Brasil. Mesmo em uma nação que é independente com definitivo reconhecimento da independência em 29 de agosto de 1825.
Está fazendo 200 anos no próximo ano, em agosto, que nos é ensinado essa distração cívica que nos vai fazendo esquecer os erros dos muitos governos após independência. O que nos traz essa distração cívica?
Traz-nos ao inconsciente o ressentimento com Portugal e na forma como olhamos os portugueses sendo os exploradores. Os vilões da História. Esse ressentimento, algumas vezes, transformando-se em ódio ou em sentimento negativo não ajuda à proximidade de Portugal ao Brasil e o seu contrário.
Temos que lembrar os quase 400 mil brasileiros vivendo de forma legal em Portugal segundo os dados da Agência para a Integração, Migração e Asilo do país divulgados em 2023. É a maior comunidade de imigrantes em Portugal, representando 40% dos estrangeiros. Quase metade dos estrangeiros em Portugal são brasileiros. Tirando os brasileiros que já se naturalizaram portugueses.
Os últimos dados oficiais, de 2021, apontam que, só naquele ano, 48.874 brasileiros receberam a nacionalidade portuguesa. Desde 2017 até 2021, o número total de brasileiros que conseguiu nacionalidade portuguesa foi de 225.466 pessoas.
Estes dados, só por si, já respondem à questão que muitos brasileiros amigos, e em confidência de taça cheia, me fazem sobre “não haver necessidade de juntar o Brasil a Portugal”. Colocando eles a tônica nos Estados Unidos e outras asneiras iguais.
Mas vamos regressar ao ensino na disciplina de História do Brasil que coloca Portugal como o que levou o ouro do Brasil e que faz a cabeça de muitos jovens há mais de 200 anos. Como se isso não influenciasse a maneira como brasileiro vai olhando para português.
Vamos afastar a distração cívica. Primeiro, Portugal é a nação e isso é muito mais do que apenas os portugueses. As decisões são do governo e não dos cidadãos.
Podemos ver pelo exemplo que quando o Governo nada faz em relação à queima da mata Atlântica ou da floresta da Amazônia não são os brasileiros responsáveis, mas apenas quem tem poder para parar o crime ecológico e nada faz. Imaginem um estrangeiro apontar para um qualquer brasileiro e acusá-lo de crimes ecológicos para todo o planeta! Acha simpático?
Então vamos tentar esclarecer, o reinado português cobrava os 20% do ouro descoberto no Brasil. Parte desses 20% ficava para pagar despesas e obras públicas no Brasil e outra parte era usada pelo governo com obras públicas em Portugal, segundo registro de Noya Pinto. Assim como o reinado português cobrava imposto sobre o peixe pescado e outras atividades, como faz hoje o governo no Brasil. Os impostos são para gerir o país. Ou seja, Portugal estava fazendo o que faz hoje um qualquer governo de qualquer país.
Talvez o ouro do Brasil devesse ficar apenas no Brasil e esquecer todos os países que também contribuíram para as estruturas do Brasil.
Mas se consideramos que o príncipe regente D. João 6º, depois dessa questão do ouro do Brasil, veio para cá, recebendo impostos de Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Cabo Verde, Macau e Timor-Leste, que também por cá ficaram, junto com muitos bens da casa real e dos aristocratas portugueses. Colocando efetivamente o Brasil como colonizador de Portugal e de todas as outras colônias portuguesas, talvez seja uma ideia egoísta contrária à justiça, que tanto se apregoa por cá de se falar na questão do ouro do Brasil, porém sem o outro lado da História. Se é justiça que queremos não podemos começar, aqui no Brasil, a continuar uma história apenas de um lado.
Pois então até o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, chegou a dizer, em novembro de 2023, «Bom, se for isso, nós temos direito por reciprocidade, porque em 1.500 eles invadiram o Brasil e nós estamos de acordo. Concordo até que repatriem todos os imigrantes que lá estão devolvendo junto o ouro de Ouro Preto e aí fica tudo certo, a gente fica quite» em relação a uma atitude de xenofobia de uma portuguesa no aeroporto do Porto dirigido a uma brasileira.
Será que os responsáveis pelo Brasil ou por Portugal vão começar a comentar as atitudes erradas de muitos cidadãos portugueses e brasileiros? E pior, será que vão confundir atitudes ignorantes e erradas com o país? O que se deseja com isso?
Deseja-se que o Brasil se afaste de todos os países que falam português? Deseja-se que Portugal envie todos os brasileiros para o Brasil? Mesmo os que já têm a nacionalidade portuguesa? É isso?
Será que a devolução dos tais quintos do ouro, do imposto do reinado de Portugal, vai compensar a má governação de 200 anos do Brasil?
Com realismo: é impossível saber ao certo onde todo esse metal precioso está hoje. Ele está distribuído em centenas ou até milhares de objetos e edifícios entre o Brasil, Portugal ou outros países de expressão portuguesa que faziam parte das colônias. A única maneira de viabilizar um processo de devolução (caso quiséssemos de volta o ouro em si, e não uma indenização) seria rastrear o destino exato de cada barra que saiu do nosso território. Fazendo esse rastreamento talvez mudasse nossa distração cívica. Se continuarmos a burrice só me resta desejar - Boa sorte!
Marcelo Gomes