O SEGREDO PARA PERDER NUM TEMPO DE DESEJAR

PALMIRA INES3

 

Costumo perder muitas coisas como luvas, cartas das finanças, guarda-chuvas, anéis, brincos, horas e relógios.

A impressão que eu tenho é que as minhas mãos são feitas de manteiga: os objetos separam-se de mim, escorregam pelas mesas, fogem para o chão, desaparecem sem deixar vestígios e nunca mais telefonam, nem mandam recados, já não escrevem cartas nem enviam emails.

Talvez por isso, nunca tenha dado muito valor às coisas físicas, às ditas coisas materiais, incluindo o dinheiro. Não por ter muito dinheiro, mas por me habituar à falta dele. Nem mesmo dou valor a cargos, prémios, títulos, epítetos a que a sociedade dá alguma relevância. Que diferença faz se me tratam ou não por doutora, tendo em vista que não sou médica e não atendo por marcação de consulta?

Já fui presidente de algumas empresas, umas deram certo outras menos e isso só não me fez perder as dores de cabeça. A única presidente que realmente importa é a de um país. Mas também nunca tivemos nenhuma mulher Presidente. Tenho a mania de achar que nada do que interessa à maioria é importante ou sequer relevante. Talvez por isso não vou a votos. Vou sempre votar e às vezes dou votos a quem não merece.

O problema é que pouca gente pensa o mesmo e insistem em dar votos, mesmo quando não merecem.
Na geração dos sessenta e muitos a coisa então pia bem mais fino. Fomos criados a acreditar que na ausência de valores interiores tudo o que fosse sinal exterior de importância passava a ser a coisa mais “sagrada”. A ideia alargou-se ao ponto de nos fazer esquecer o que é realmente importante.

A coisa foi enaltecida!

Hoje aumentam os filhos do vazio, os primos do vácuo, os irmãos da nulidade absoluta em termos de sonhos e ideais. Crescemos a ver desmoronar a crença no “25 de Abril” e só depois percebemos que se resumia a uma cantilena de prosperidade e democracia apenas para uns eleitos. Hoje, a nossa única guerra acontece no “Black Friday”e nas redes sociais.

Dizem para facturar e multiplicar. Foi o que fizemos. E deu nisto que é a falta de humanidade.

Penso nisso ao ver a geração “Big Brother” que nos cerca. A propaganda para se falar uma língua alterada para tiranizar o pensamento, mas nunca leram Orwell. Bem falta lhe faz a leitura do 1984.
Toda a gente anda atrás de uns segundinhos de fama desde os anos sessenta. Nem que seja no número de “likes” por publicações fúteis. Seja em programas de TV onde tomam duches públicos ou onde podem ser enxovalhados por cantarem mal, o que importa é aparecer, ocupar espaço, ser um elemento vivo dos media.

Não sou psicóloga, por me faltar estômago para engolir as imensas desgraças que atrapalham mente e corpo; nem socióloga, por me faltar crença na tirania. Mas parece-me óbvio que determinadas ações sociais só podem ser devidamente medidos e analisados à posteriori.

O que está a acontecer um pouco por toda a parte do planeta só será percebido com clareza daqui a alguns anos. Ou talvez séculos.
Sim, têm que esperar para perceber.

Mas ainda que me falte conhecimento de Psicologia, atrevo-me a dar um conselho: a verdade é que estão a criar esta ideia de que é possível competir em tudo e que há sempre um vitorioso (seja na justiça, na política, nos negócios, enfim, na vida). Alguém tem sempre que ganhar. E esse alguém, no limite da ilusão, posso ser eu, mas também pode ser quem lê este artigo. O que é sempre uma enorme anedota pois sei que não é bem assim e que no fundo ganhamos sempre alguma coisa. Mesmo que não acredite o ganho está no enriquecimento que a vida nos dá.

Como disse no inicio - perco sempre tudo. Sendo que desta vez acredito que perder pode ser ganhar. Perder é deixar que a coisa perdida siga o seu caminho. Afinal nada é temos. Fica cá tudo.

Mesmo que perca a pouco-a-pouco a vida. Se perdemos vida quando envelhecemos, acabamos sempre por ganhar mais reflexão pelas coisas verdadeiramente importantes.

Este ano de 2024 vá guardando o que tem mais valor e que não tem preço.


Palmira Inês