O TANOEIRO EM PORTUGAL

MANUELA JONES62

 

A arte de tanoeiro é uma das profissões tradicionais mais emblemáticas em Portugal, profundamente enraizada na cultura e na história do país. Enquanto na semana passada explorámos o trabalho dos sarreiros, responsáveis pela remoção do sarro dos pipos de vinho, é agora tempo de nos aprofundarmos na importante função dos tanoeiros, que desempenham um papel essencial na produção e manutenção de barricas e pipas.

O tanoeiro é o artesão que trabalha a madeira para criar recipientes utilizados para o armazenamento de vinhos e outros líquidos, fracionando o sabor e as características do produto. Esta profissão envolve um conjunto de habilidades que vão desde a seleção do tipo certo de madeira até à montagem e acabamentos dos recipientes. Em Portugal, a madeira de carvalho é a mais utilizada, já que confere um sabor distintivo ao vinho, especialmente no caso dos vinhos do Porto e Douro.

A tradição de fabricar pipos remonta a séculos, sendo uma prática que começou a ser documentada na Idade Média. Com a ligação histórica à viticultura, relacionada com as procuras dos mercados interno e externo, a profissão de tanoeiro tornou-se crucial na economia portuguesa. Eram frequentemente reconhecidos como membros respeitados dentro das suas comunidades, desempenhando um papel vital na preservação das receitas de vinho que ultrapassam gerações.

Lembro me em criança de um tanoeiro bastante conceituado que vivia perto do Senhor dos Aflitos, próximo da Cuz dos Mourouços. Muitas vezes ia brincar com um neto que tinha uma deficiência motora. Lembro me como se fosse ontem de o ver cuidar e trabalhar os pipos do vinho. Era ele que cuidava também religiosamente, dos pipos e tonéis das quintas ali existentes naquela época.

O processo de fabrico de pipas e tonéis começa com a escolha da madeira, onde a qualidade e a idade da madeira são fatores determinantes. Uma vez selecionados os troncos, a madeira é seca e depois cortada em tábuas. As tábuas são, então, moldadas e escavadas, utilizando ferramentas específicas que garantem que cada peça se encaixe perfeitamente.

Após a montagem, as pipas são frequentemente expostas ao fogo controlado para tostar a madeira, um passo crucial que influencia o sabor do líquido que será armazenado. Por fim, as pipas são inspecionadas para garantir que não há vazamentos, antes de serem entregues a adegas e vinícolas.

Esta profissão quase extinta, é mais do que um simples ofício, é uma parte integrante da identidade cultural portuguesa. Os pipos de vinho, símbolo do "savoir-faire" nacional, não só suportam a produção de alguns dos melhores vinhos do mundo mas também atraem o turismo, oferecendo experiências de degustação que exploram a intersecção entre a tradição e a inovação.

Nos dias de hoje, embora a mecânica da produção tenha evoluído com a introdução de maquinaria moderna, muitos tanoeiros ainda prezam pela realização do trabalho manual, preservando as técnicas ancestrais que conferem carácter único a cada peça. Esta combinação de tradição e modernidade mantém a relevância desta profissão no cenário contemporâneo.

Como muitas profissões tradicionais, os tanoeiros enfrentam desafios significativos no século XXI. A competição com métodos de armazenamento alternativos, como tanques de aço inoxidável, e a diminuição do número de artesãos que perpetuam esta arte, representam uma ameaça à continuidade da profissão. Contudo, existem iniciativas que buscam revitalizar o interesse por estas práticas, promovendo workshops e formações que incentivam novas gerações a abraçar este ofício.
Em Portugal, esta profissão é um testemunho da rica herança cultural e da importância da madeira na produção de vinho. A sua habilidade em moldar a madeira num elemento crucial para a conservação e aprimoramento da bebida é digna de reconhecimento e respeito. Assim como o trabalho dos sarreiros, os tanoeiros são fundamentais para garantir que os vinhos portugueses continuem a ser uma referência de qualidade e sabor, preservando as tradições que distinguem o nosso país no vasto mundo vitivinícola.

Manuela Jones