OS CÃES NÃO DÃO GORJETA
Quando alguém se expressa publicamente é para trazer algo de novo ou algo para se pensar. É essa a minha opinião e vale o que quiserem que valha.
Na minha opinião não é para se dizer asneiras com o objetivo de se fazer rir.
Por isso quando fui convidado para escrever um artigo de opinião neste antigo jornal O Ponney, fui obrigado a pensar.
Não é que normalmente não pense. Eu penso, mas é sobre coisas que a maioria das pessoas não se interessam. É que são demasiado realistas, rococós, coisas do dia-a-dia que enfadam qualquer um, por isso tive que “pensar algo de novo ou algo que faça pensar”. Foi assim que o diretor do jornal O Ponney, o meu amigo Zé Gomes, me disse para fazer depois de ter recusado escrever sobre a Briosa. É que não pesco nada de bolas. Por isso só me restava o pensamento.
Sim!
Esta coisa de escrevermos sem pensarmos ou é acompanhada por uma fotografia de uma rapariga toda descascada ou tem que fazer rir. Como não encontrei nenhuma mulher, das que conheço, que pousasse nua para a fotografia e como não sei contar anedotas restou-me o pensamento. Por isso vamos todos pensar em conjunto: primeiro, as verdades.
Coimbra, está cada vez mais longe de ser a cidade mais importante de Portugal, mas tem gentes de todo o lado de Portugal e foi a primeira capital de Portugal.
As conimbricenses são as raparigas mais bonitas do País.
Coimbra é um dos distritos mais estragados, mais esquecidos e , ainda assim, continua a ser o mais belo.
As festas da Rainha Santa Isabel são as mais impressionantes que já se viram. Coimbra fica sem estacionamento que já não tinha. Coimbra é uma cidade clara, apesar do escuro das suas políticas municipais. Mas como cidade, Coimbra não esconde nada. Não há uma Coimbra secreta. Não há outra Coimbra do lado de lá, mas há dois lados de um mesmo cérebro divididos pelo maior rio português - o nosso Mondego. Do lado direito a lógica universitária e do lado esquerdo a paixão dos amores. Do amor aos pobres da Rainha Santa e dos amores proibidos da pobre Inês. Em Coimbra está tudo à vista. Inclusivamente o que está por baixo do que eram estradas.
A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade verde-branca. Verde-rio e verde-ar, mas branca. Em Agosto a calmaria de aldeia e até o verde mais escuro, que se vê nas árvores antigas, muitas já cortadas por este e pelo outro executivo municipal, desde o Monte de Santa Sapiência até ao “Japão”, tudo parece tornar-se branco ao olhar. Até o granito colocado no Quebra-Costas.
Mais verdades.
No Centro a comida é melhor. O vinho é melhor. O serviço é melhor. Os preços são mais altos. Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, ouvir um fado de Coimbra a lamentar a saudade e comer muito bem e pagar uns copos à malta estudantil de preto. Fazendo lembrar as andorinhas que dão o encanto a Portugal.
Mas há uma verdade maior. É que só o Centro é verdadeiramente Portugal (pobre e esquecido). O Norte é da Galiza e o Sul é mourisco.
As partes mais bonitas de Portugal estão soltas. Tanto o Norte Litoral fechado sobre Braga, Viana, Guimarães ou Porto não se juntam e depois há o Transmontano que ainda se afasta mais.
Ao Sul não se diz que se é do Sul. Mesmo a francesa Lisboa diz-se do Centro. Mas não é!
No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Fecham-se como os transmontanos que para lá do rio Marão só mandam os que por lá estão. Fechados. Por isso é que o Porto tanto se queixa dos turistas.
No Norte, as pessoas falam mais no Norte como se fosse um pais. Como a Galiza!
Os centristas (ou os beirões) não falam do Centro como se o Centro fosse um segundo país. Não haja enganos. Os centristas sabem que o Centro não se pode separar de Portugal e por isso não se denominam. Envergonhadamente dizem-se ‘beirões’ e chega!
Nem falam do Centro só para não terem que se separar de Portugal. Há os nortenhos, os sulistas, os açorianos, os madeirenses e os portugueses ou os centristas/beirões. Os verdadeiros herdeiros dos Lusitanos.
Para um nortenho, há o Norte. Para um centrista, Portugal é um todo que não pode viver sem o seu todo de Norte a Sul e Ilhas. Aqui no Centro sabemos que Portugal só é na sua variedade de independentistas nortenhos e de estrangeirados do Sul.
Sem isso Portugal não continuaria a existir como país inteiro. Pátria multicolor. Sem a sua variedade, Portugal seria uma mera província de Castela. Mais ou menos peninsular, ou insular.
É esta a verdade. Lisboa é bonita, afrancesada à maneira da corte de Luís XIV (o Rei-Sol), onde se junta a nobreza com o povo mais miserável. O Alentejo é especial mas adormecida princesa mourisca (seja o Alto Alentejo seja o pobre Baixo Alentejo), a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores vivem no nevoeiro de um idealismo que perdeu a guerra.
Em qualquer caso, os lisboetas confundem Portugal com Lisboa.
No Centro, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito estragado, abandonado, esquecido, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem não quer a coisa. Com alguns idealistas, sonhadores, mas que recebem todos de braços abertos ainda que seja para alugar um quarto pelo preço de um T5.
No Centro ficamos sempre a ver passar os aviões, mas Centro é feminina. Coimbra é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Centro dá nas vistas sem se dar por isso. As raparigas do Centro têm belezas perigosas, olhos castanhos esverdeados impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos. Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas para equilibrar a bilha de barro. Olham de frente. Pensam em tudo e guardam o que pensam.
Confiam, mas não dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito.
O Centro é a nossa verdade de todos sermos portugueses. No Centro podemos dizer que somos ‘patriotas’ porque somos tudo em todos.
Agora, já podem perguntar porque dei como título deste artigo «Os cães não dão gorjeta». Fazendo a pergunta, responderei com toda a franqueza que não sei muito bem. Pois pensei muito sobre o artigo, mas entendi não perder muito tempo a pensar sobre o título.
António Pinhas