PROFISSÕES ARCAICAS: O SARREIRO
Hoje trago-vos um tema diferente. Acho que numa das minhas inúmeras viagens interiores, fui levada a uma época em que algumas profissões eram importantes e que marcaram uma época. Devemos, no entanto, homenagear homens que faziam este trabalho e nos deixaram como marco, a sua história e a sua experiência.
Então, hoje vou falar sobre a profissão de sarreiro.
Ou seja, a pessoa que retirava o sarro dos pipos (barris) na indústria vinícola. Foi uma atividade importante em Portugal, especialmente em regiões dedicadas à produção de vinho. O sarro é uma espécie de depósito que se forma no interior dos barris durante a fermentação e o armazenamento do vinho. A remoção era essencial para manter a sua qualidade e a integridade dos barris.
A tarefa de limpar os barris era geralmente realizada manualmente e muitas vezes envolvia entrar nos barris através de uma janela pequena que havia no topo. Por isso, crianças eram frequentemente envolvidas nesse processo, devido ao seu tamanho, permitindo-lhes acesso aos espaços mais estreitos.
Com o avanço das tecnologias e métodos de produção vinícola, o uso de materiais como o aço inoxidável e a automatização do processo de limpeza, a profissão de sarreiro praticamente desapareceu. Além disso, as práticas modernas foram adotadas para melhorar a eficiência e a qualidade da produção de vinho, reduzindo a necessidade destas atividades manuais tradicionais.
É interessante notar como as tradições e ofícios antigos foram transformados ao longo do tempo, refletindo mudanças nas tecnologias e nas condições de trabalho.
A tradição vinícola em Portugal é rica e profundamente enraizada na cultura do país. Desde os tempos antigos, a produção de vinho tem sido uma atividade central em muitas regiões, como o Douro, Alentejo e Dão, onde práticas ancestrais foram transmitidas de geração em geração.
Recordar as experiências da infância, como entrar na história da quinta onde nasci, participar das atividades relacionadas à vinificação que se fazia naquela época , traz- me à tona doces memórias. A imagem de criança a brincar e a ajudar nas tarefas, como raspar o sarro dos barris ou levar a mecha do enxofre a arder para desinfeção dos tonéis é um testemunho da ligação íntima entre as famílias e a terra. Para muitos, essas atividades eram vistas como uma diversão, mesmo que envolvessem riscos, como a inalação dos vapores do vinho, que poderiam ser perigosos.
Estas experiências mostram não apenas o processo de produção, mas também a forma como as crianças eram integradas nas tradições familiares e nas práticas agrícolas. Hoje tais práticas não seriam possíveis. O vinho não era apenas um produto, mas uma parte essencial da vida dos que o produziam. Esta interação lúdica com o ambiente vinícola, embora possa parecer arriscada, fazia parte de uma aprendizagem que eu guardo até aos dias de hoje.
Se me perguntarem se ainda conseguiria fazer vinho ou aguardente, eu não tinha qualquer problema e arregaçava as mangas imediatamente. Tenho tudo memorizado como se estivesse hoje com os meus antepassados que me transmitiram estes ensinamentos.
A herança vinícola em Portugal continua a ser celebrada, tanto nas adegas que preservam métodos tradicionais como nas inovações que refletem a evolução do setor, mantendo viva a memória e a identidade desse património cultural.
Hoje trago vos este tema porque acho que devemos homenagear esses homens que percorriam quilómetros a pé para recolher um produto na altura precioso. Na pequena aldeia de Chelo na região de Penacova, havia muitos sarreiros. Hoje volvidas algumas décadas, olho as paredes da minha casa e cada pedra é uma recordação desse tempo que perdura. Ás vezes quando me abordam estes temas e acham que não percebo nada disto, eu tenho que sorrir. É verdade que nunca sabemos tudo, mas eu continuo a querer aprender e a transmitir o que me foi ensinado para as gerações vindouras.
Se muitas garrafas de vinho são hoje muito valiosas, lembrem-se que a sua qualidade se deve a estes homens que recolhiam o sarro.
Manuela Jones