PROJETO COIMBRA METROPLEX Parte XXIV - HISTÓRIA TRIDIMENSIONAL DO COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE COIMBRA DOS ÚLTIMOS SÉCULOS
Convido o Leitor a colocar-se em cima de um Poney virtual e a utilizar a sua mente na sua faculdade abstrata 3D e a mergulhar comigo numa Coimbra que pouca gente revisita e que a maior parte da população desconhece.
A primeira metade do século XIX traz tempos nada fáceis para Coimbra, tendo sido a cidade ocupada pelas tropas napoleónicas de Junot e Massena (relembrem-se da Guarda Inglesa em Santa Clara) e, por sua vez, assiste-se à extinção das Ordens religiosas.
Em contraste, na segunda metade do século XVIII, a nossa cidade viria a recuperar o esplendor perdido com o incremento do primeiro telégrafo em 1856 e, como se não bastasse, a iluminação a gás. Já em 1864 é inaugurado o Caminho de Ferro e dezassete anos depois inaugura-se a ponte férrea sobre as águas do Rio Mondego.
Entretanto, é durante o século XIX que a cidade dá sinais da sua expansão para 'além do seu casco muralhado', chegando mesmo a desaparecer com as reformas urbanas levadas à séria pelo Marquês de Pombal. Com o seu alargamento surge uma citação de Martins de Carvalho em 1891: "Hoje já se não compreende um operário sem instrução artística. As diferentes terras do reino procuram desenvolver e aperfeiçoar as suas indústrias e por isso a cidade de Coimbra não pode nem deve ficar-lhes inferior quanto o permita a sua esfera de ação... No contexto de modernização escolar delineada pela Coroa, a que já me referi, foi importada 'mão-de-obra' específica, destinada a integrar o corpo docente desses estabelecimentos de ensino industriais, então a conhecerem no país um considerável impulso."
Note-se bem, de acordo com "A Voz do Artista" a 31 de agosto 1889 e o "Conimbricense" a 24 de agosto, vinham lecionar na Escola Industrial de Brotero vários professores estrangeiros, nomeadamente, o francês Charles Lepierre, contratado em Paris, para o ensino da Química Aplicada à Indústria; o italiano Leopoldo Battistini, contratado em Roma, para ensinar Desenho Decorativo; o austríaco Hans Dickel, contratado em Viena e seria o responsável pelo ensino do Desenho de Arquitetura; também o austríaco Emile Lock, contratado de igual forma em Viena e regeria o ensino da Física Mecânica e suas aplicações industriais, devendo tão bem ocupar-se do curso de Desenho de Máquinas. Já em 1921, aquando da criação do Instituto Industrial e Comercial de Coimbra, o Governo determinou então que a 'Brotero' desocupa-se as instalações da Rua Oliveira Matos e passa-se a ocupar o edifício 'fronteiro' ao Jardim da Manga ou 'cruzio fronteiro' ao Mercado.
Entretanto, em 1935 assiste-se à queda da Torre de Santa Cruz (com os seus sinos), arrastando consigo uma grande parte do edifício que a 'Brotero' havia ocupado. Este 'complexo cruzio' tinha sido construído na primeira metade de Seiscentos e acabara em 'Escola Brotero' e, posteriormente, em Escola Jaime Cortesão. Não se esqueçam de passar pelo Café Santa Cruz na Baixinha e deliciarem-se com uns bolinhos 'Cruzios'!
Se repararem bem, o regime monárquico nos finais de Oitocentos estava a investir na Instrução e com olhos bem enfáticos na vertente industrial, porque tinha chegado a entender que este tipo de desenvolvimento, que já tinha sido posto em prática noutros países, funcionaria como 'mola impulsionadora do progresso'. Pesquisem dentro do Museu Nacional Machado de Castro como Coimbra já tinha a esta altura uma larga experiência de alguns séculos na Indústria e as suas relações universitárias europeias para este fim, nomeadamente, com a Universidade de Paris entre outras. Em que a 'Cerâmica' era apenas um exemplo. A 3 de janeiro de 1884 o Ministro António Augusto de Aguiar assina o decreto que criava em Coimbra a 'Escola de Desenho Industrial' = "Brotero" em dezembro do mesmo ano. Reparem bem, no ano de 1887, os vereadores republicanos António Augusto Gonçalves e Manuel Augusto Rodrigues da Silva apresentariam uma proposta de transformar a 'Brotero' numa escola industrial. Justificação para isto, é que na nossa cidade a indústria mais 'vultuosa' era a da "Cerâmica", e não é por nada que o então Ministro das Obras Públicas pretendia fixar em Coimbra a 'Escola Nacional de Cerâmica'. No entanto, a alteração veio a acontecer quando Emídio Navarro através de decreto publicado no Diário do Governo, de 10 de janeiro 1889, transforma a 'Escola de Desenho Industrial' em 'Escola Industrial Brotero'.
A título irónico, não é por nada que funciona desde a década de Noventa do século passado, na Avenida Emídio Navarro em Coimbra, no edifício Topázio o "IAPMEI" (Apoio às Pequenas e Médias Empresas).
Era toda uma Coimbra em transformação com uma Revolução Industrial em curso, sobretudo na Inglaterra, Alemanha e França. Mas, havia uma exigência estatal na Carta de Lei de 30 de julho 1839 que obrigava a Câmara de Coimbra a abrir duas ruas que comunicassem com a zona alta da cidade. Em 1860, quando D.Pedro V veio a Coimbra em visita, a rua que ligava a Praça de Sansão (atual Praça 8 de Maio) à Fonte Nova, a Olímpio Nicolau Rui Fernandes, já havia sido aberta, rompendo a unidade do conjunto 'outrora pertencente aos frades agostinhos'. Já em 1890, a Câmara debruçou-se sobre a rua que deveria comunicar desde a 'baixa' até Celas (coube a Estevão Parada, condutor de Obras Públicas, tal projeto).
Mais um "Back To The Future" 》A 18 de março de 1875, a Câmara de Coimbra pede licença ao Rei para demolir uma parte do mosteiro cruzio, com a finalidade de aí construir os novos Paços do Concelho e, a 22 de junho 1876, sob a presidência de Lourenço de Almeida Azevedo, votou a primeira verba para custear a demolição parcial do referido mosteiro. Mediante isto, a casa da Câmara foi inaugurada a 13 de agosto 1879. Por outro lado, infelizmente, diversos incêndios também se encarregariam de desfigurar o 'complexo monacal dos cruzios', nomeadamente as alas claustrais da Manga. Exemplo disso, em 1917 a zona onde se encontravam instaladas as oficinas da Escola Industrial Brotero.
Em jeito de "Back To The Future II" 》António Augusto Gonçalves, aqui já referido, fez ressurgir o trabalho em 'Ferro', por volta de 1900, encontrando em Manuel Pedro de Jesus aptidões para a Serralharia Decorativa. E seria em 1907, na Escola Industrial Brotero, que começaram a funcionar as oficinas de Serralharia, de Cerâmica e de Marcenaria e Talha. Estava incrementada a Indústria Contemporânea de Coimbra com o renascer do 'Ferro Forjado'. Segundo reza a história, homens e mulheres 'de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo...' . Já no ano de 1928, foram convidados a participar na exposição de Sevilha. Só para citar alguns, João Machado destacava-se na 'Escultura' e, Manuel Pedro de Jesus, assim como, Lourenço Chaves de Almeida no 'Ferro Forjado'. Entretanto, a 'arte do ferro' para sobreviver não podia apenas estar condicionada a 'encomendas vultuosas', também eram necessários manufaturar-se naquele metal objetos mais simples e em conta, ou sejam, de uso corrente. Como tal, a par com os grandes 'candelabros' ou com os portões do Palácio de Justiça, teriam de surgir os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as grades das varandas, os gradeamentos dos muros, os puxadores das gavetas, as dobradiças das arcas, as tabuletas de anúncios, as pequenas grades de campas, os portais dos jazigos, etc., etc. ... Coimbra passou a designar-se de 'Cidade das Grades' (e como todos nós sabemos muito bem, já era a cidade dos estudantes). Portanto, a Serralharia Artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr.Joaquim Martins Teixeira de Carvalho (o Mestre Gonçalves e o Mestre Quim Martins). Das mãos dos 'ferreiros' saíram obras emblemáticas, capazes de marcar o seu ressurgimento no turbilhão das 'labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes'... Coimbra até então, estava limitada a bem dizer, ao fabrico de 'camas' e de 'lavatórios', como se tinha verficado na exposição de 1869.
Em jeito de "Back To The Future III", mais uma retroversão progressista... desde o século XVIII que o ensino profissional mereceu o desempenho dos governantes nacionais, dado que, até essa altura era da responsabilidade das corporações de artes e ofícios, como também, de organismos religiosos. Contudo, só após o período do Liberalismo e com o sentido cada vez mais urgente na necessidade de resposta ao avanço da Revolução Industrial, foram tomadas as primeiras medidas sérias com vista à sua implementação. Surgindo em Coimbra, no ano de 1851 a 'Sociedade de Instrução dos Operários' e em 1862 a 'Associação dos Artistas de Coimbra', que sob o patrocínio de Olímpio Nicolau Rui Fernandes, tinha como objetivo a difusão do "Ensino Geral e Técnico das Artes e Ofícios", projetando os conhecimentos de economia, industrial e doméstica 'necessários ao aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, e promovendo em tais atividades o uso e introdução de novos maquinismos', dando origem em 1878 à 'Escola Livre das Artes do Desenho', por iniciativa de António Augusto Gonçalves, a qual obteve da Câmara Municipal a cedência da antiga Casa do Senado, no andar superior da Torre do Arco de Almedina.
E só para terminar esta dissertação informal, e relembrando o Decreto de 3 de janeiro de 1884, o Ministro António Augusto de Aguiar criou Oito Escolas de Desenho Industrial, uma das quais em Coimbra, ou seja, a atual Escola Secundária Avelar Brotero. Foi a 20 de fevereiro 1885, que a 'Escola de Desenho Industrial Brotero' iniciara atividades, onde se matricularam 152 alunos (três dos quais do sexo feminino) e na sua maioria profissionais... caros leitores, virtualizem a sala: alfaiates, canteiros, carpinteiros, funileiros, marceneiros, ourives, paliteiros, pedreiros, pintores de louça, sapateiros, segeiros, serralheiros e tipógrafos... e foi a 4 de setembro do ano 1926, que foi decretada a integração da Escola Comercial de Coimbra na Escola Brotero, adotando esta a denominação de "Escola Industrial e Comercial de Brotero". Foi ampliando e diversificando ao longo dos tempos o seu efetivo curricular com a introdução sucessiva de cursos profissionais tecnológicos e artísticos ligados a variadíssimas áreas, tais como: Carpintaria, Comércio, Construção Civil, Costura e Bordados, Eletrotecnia, Marcenaria, Mecânica, Mecânica de Automóveis, Mecanotecnia, Serralharia e Serralharia Artística, Talha (em madeira) e Vitrais.
Só mesmo para terminar, estamos de facto a entrar numa nova Era Tecnológica, a da Inteligência Artificial, e queria desde já felicitar os trabalhos artísticos em Desenho colorido do Diretor deste jornal, Dr.José Gomes, que é um talentoso e criativo Cartoonista. Conseguindo aliar o seu temperamento crítico à perceção visual que capta, transmitindo-o quase de uma forma linguística. Não é para todos, um verdadeiro artista do século XXI!!
Até à próxima semana,
Adriano Ferreira - Pós-graduado e Conselheiro Autárquico para o Desenvolvimento de Coimbra.