PROJETO COIMBRA METROPLEX Parte XXV - HISTÓRIA TRIDIMENSIONAL DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE COIMBRA DOS ÚLTIMOS SÉCULOS (Segunda Jornada)
Durante o século XIX, as máquinas iam chegando às fábricas da nossa cidade, permitindo ao 'operário' poupar-se na sua motivação muscular, numa profunda remodelação produtiva e social, nesta revolução industrial que estava em movimento em detrimento de todas as fases proto-industriais e de caráter manufatureira artesanal. Como exemplo mais emblemático em Coimbra, tínhamos no século XVIII a pequena oficina de Cerâmica Antiga no Terreiro da Erva.
No entanto, Coimbra multiplicava-se em áreas produtivas, dando origem a diferentes espaços e equipamentos dentro do ramo das indústrias transformadoras, tais como: alimentícia, cerâmica, curtumes, metalúrgica, papeleira, química, têxtil e vidreira. Mediante isto, na nossa cidade, as indústrias e as duas estações ferroviárias tiveram um papel fulcral para o desenvolvimento económico de Coimbra dos séculos XIX e XX. E gostaria de deixar aqui nesta introdução de texto as palavras de Ricardo Jorge de Brito Ramos (Reabilitação de Edifícios Industriais como Museu): "Ao património podemos atribuir o significado de legado, herança que nos é transmitida, como um bem. Mas nem tudo o que herdamos passa para o futuro. Algumas destas manifestações perdem funcionalidade e significado ou contexto que lhes permitia continuar a ter uma existência originária e são destruídas. Outras são preservadas. O significado de património muda consoante os tempos, e com eles mudam os critérios que nos permitem incluir os bens e saberes nesse conjunto, ou excluí-los."
O património industrial, a bem dizer, é 'edifício', como tão bem 'artefactos', 'factos' e 'pessoas'. Relembrar estas histórias não é cristalizar o passado recente, já que, as memórias das vidas, da labuta laboral e dos afazeres passados encontram-se fragmentados, mas não fragilizados a pontos de podermos pegar nesses pedaços desta ou daquela história e montar-mos uma nova história. Por outro lado, Manoela Rossinetti Ruffinoni (Preservação e Restauro Urbano, Teoria e Prática de Intervenção em Sítios Industriais de Interesse Cultural): "A preservação urbana objetiva, a harmoniosa relação entre o património construído, o conjunto das especificidades materiais e imateriais que configuram à cidade, e a vida contemporânea. Vida esta que, por sua vez, também é história. Garantir a transmissão desse património ao futuro, a partir do respeito pelas estratificações históricas e da relação quotidiana com as linguagens construtivas moldadas ao longo do tempo, significa portanto, buscar uma nova forma de compreender e respeitar a própria cidade, suas preexistências, coexistências e transformações."
Portanto, para concluir esta distendida introdução, os antigos sítios industriais, nem sempre inter-relacionados em torno da produção, podem albergar diversas tipologias espaciais e de época nas suas unidades fabris, contribuindo assim para uma maior riqueza e complexidade urbana. Constatou-se em algumas fábricas em Coimbra, nomeadamente na Fábrica de Curtumes no vale de Coselhas, onde se construiram postos médicos e refeitórios para os trabalhadores.
Deolinda Folgado: "Entender o património industrial nas suas diversas manifestações é afastarmo-nos da noção de monumento, é valorizar os conjuntos." E começa aqui o desenvolvimento deste vasto artigo, com o número 'vinte e cinco'... A rua do Arnado na 'Baixa de Coimbra' será a justificação mais eficaz, pelo valor do seu conjunto formado por elementos diversos, que vai desde armazéns de cargas e descargas de mercadorias, de oficinas de pequena escala até grandes unidades industriais. Mais tarde, nos anos Sessenta do século passado, surgiu uma nova perspetiva sobre como intervir no património deste tipo, que se poderá constatar ao lermos a "Carta de Atenas" de 1964: As intervenções deverão ser novas, sem pretensões a recriações, mostrando dessa forma o antigo, mas em contraste. Em Portugal, desde os anos Oitenta, que a salvaguarda dos edifícios e instalações da época industrial constituem verdadeiras referências ou âncoras de memórias locais, procurando imagens identitárias nos mais diversos procedimentos, ou seja, as fábricas desativadas com potencial para integrarem um novo ciclo de vida, sem esquecerem com isso o anterior (razão da sua existência), adquirem uma componente museológica do sítio ou local.
Na nossa Coimbra existem exemplos vivos de reconversão de edifícios devolutos, com o devido respeito pelas pré-existências e como exemplo imediato disso, a intervenção na Casa das Caldeiras ou o Museu da Água à beira rio, com base num programa de caráter museológico. Entretanto, 'lofts' ou atelier-casa, estudios de montagem, salas de espetáculo, galerias de arte, bibliotecas e mediatecas, depósitos de arquivos, museus, fábricas culturais, escritórios, incubadoras de empresas, cafés e restaurantes, são as novas funções contemporâneas inseridas nestes edifícios, sobretudo a partir da década de Noventa do século passado, um pouco por todo o nosso país. Quem não se lembra da Discoteca 'Sétima Dimensão' num dos ex-armazéns junto à "Auto-Industrial" (que ela própria é hoje: 'Continente Bomdia' e Stand de Automóveis da 'Opel'). E foi esta uma das recomendações da "Carta de Atenas": Deve-se buscar um uso adequado em duas facetas, relação configuração espacial/realidade histórica e relação uso original de outrora/uso a que se destina, compatibilizando com as suas caraterísticas arquitetónicas.
Em Portugal, a APPI - Associação Portuguesa do Património Industrial e o IPPC - Instituto Português do Património Cultural, mais tarde convertido no IPPAR (Proteção do Património), é a entidade responsável pela classificação das Obras industriais. Em Coimbra, o património industrial a preservar é vasto... a localização pré-industrial em Coimbra situava-se na 'baixinha' de Santa Clara, mais propriamente no seu Rocio e junto às zonas ribeirinhas, e foram as primeiras áreas industriais ou zonas oficinais de Coimbra.
Preparados para um "Back To The Future IV"?!! José Maria Amado Mendes debruçara-se sobre a área económica de Coimbra, estrutura e desenvolvimento industrial entre os anos compreendidos de 1867 e 1927: "O artesanato, a manufatura - como formas pré-industriais - e a pequena indústria dominavam o panorama industrial da área coimbrã nas últimas décadas de Oitocentos, tanto em relação ao número de estabelecimentos como à respetiva mão-de-obra. Tratava-se de uma produção em pequena escala, destinada fundamentalmente ao mercado local e regional." Reparem, Santa Clara situada na margem esquerda do Mondego, destacava-se por ser uma zona industrial ativa (desde os primórdios da industrialização em Coimbra) sobretudo na produção de têxtil e sabão. Observem, numerosas pequenas oficinas de tecelagem de seda, damasco e linho laboravam desde o século XVI, que é o caso da Feitoria dos Linhos (junto ao atual Portugal dos Pequenitos), a Fábrica de Lanifícios do Convento de São Francisco, a Fábrica do Sabão (junto ao atual Portugal dos Pequenitos). Só para realçar, em 1894 realizava-se uma Exposição Industrial e Agrícola de Santa Clara (à semelhança do que já tinha ocorrido em Coimbra nos anos de 1869 e 1884)... vejam, estavam expostos diversos artigos que evidenciavam as produções manufatureiras conetadas com as atividades quotidianas, tais como: alimentos, vestuário e alojamentos. As grandes oficinas da zona estavam lá representadas, concretamente a firma "Peig, Planas & Ca.", também a do "Vitorino de Miranda (situadas as duas no antigo convento), como também a "Fábrica de Sabão de Augusto Luíz Martha", a "Cerâmica de Serrano & Fonseca (de Louça branca que se situava no local da antiga fábrica de Vandelli), a de José Rodrigues (Louça vermelha). Agora reparem a Baixa de Coimbra, as primeiras oficinas situavam-se no tecido consolidado, ou seja, bem no meio das residências, associadas a lojas, com muitos proprietários e foi através do 'comércio' que iniciaram a sua atividade. Por outro lado, estas firmas de pequenas dimensões passavam de geração em geração, de pais para filhos. Só mesmo, posteriormente, com o brotar das fábricas em grande escala e legislação compatível, é que as mais perigosas em termos de poluição ou insalubres, nomeadamente a 'pólvora', os curtumes e matadouros, iriam ser integradas no pequeno núcleo de Coselhas.
Terá sido a "Fucoli" o exemplo mais recente disso?!
Bruna Ferreira sobre a Arquitetura Industrial em Coimbra: "Surgiram indústrias deste ramo no antigo Colégio da Graça, na Rua da Sofia, na Ladeira de Santa Justa, na atual Rua da Figueira da Foz e na zona da Conchada. Nesta última zona nordeste da cidade foi construído um bairro destinado para a atividade pirotécnica, denominado Bairro dos Fogueteiros, afastando assim os possíveis incidentes do centro da cidade."
Mais uma vez de "Regresso Ao Futuro"...
junto da Praça Velha, observem: oficinas do barro, do ferro, do linho, da lã e do junco e respetivos comércios (com destaque para os séculos XV e XVI). Mas, com o Marquês de Pombal, toda uma atividade secundária florescia por toda esta Baixa ou 'baixinha' de Coimbra, destinando-se sobretudo ao consumo local. Reparem agora: no antigo Largo das Ameias, Terreiro da Erva, Praça do Comércio... e nas ruas Adelino Veiga, da Moeda e da Loiça... das Padeiras, vejam o vigor das 'carpintarias', 'serrações', 'chapelarias', 'tanoarias' e até atividades ligadas à niquelagem, latoaria e pregaria. É nos anos de 1917 até 1927, que se registam um crescimento industrial de 71%. Só para citar apenas dois exemplos: a Fábrica de Curtumes de Coselhas, a sua produção foi claramente beneficiada pelas exigências de uma Primeira Guerra Mundial. Já outras beneficiaram-se dos impostos extremamente baixos do nosso país e do período de grandes investimentos em que se vivia no ano de 1919, como exemplo disso, a "Sociedade de Porcelanas, Lda.". Reparem muito bem, aconchegados neste Ponney que teria nascido em 1929, em contraste com a "Grande Depressão Americana", é nesta fase que se confirma a transição da indústria de fase manufatureira/artesanal para a indústria de fase capitalista 'maquino-fatureira e fabril'.
Assistia-se ao incremento ou construção de 'sociedades', um verdadeiro fenómeno!! Para uma maior segurança no 'capital'?! Em oposição às pequenas oficinas do primeiro período, de meados do século XIX ou anterior, dado que, tinham formas mais simples de 'sociedade coletiva' (entre membros familiares).
De facto, o século XIX marcou a nossa cidade, como tão bem, a chegada da água canalizada, a iluminação a azeite, a gás e posteriormente elétrica. A produção maquinal foi introduzida pelos 'Collares', começando a fabricar 'máquinas de vapor' em Portugal de 1842, e 'pouca-terra, pouca-terra' lá se foram penetrando nos estabelecimentos fabris... a 'máquina a vapor' era então a nova energia motriz, que trazia vantagens em comparação às energias anteriores, tais como: eólicas (por incrível que pareça, domina o nosso século XXI), hídricas (cada vez mais um bem essencial no nosso século) ou de sangue. Reparem agora na Chaminé industrial do antigo Gasómetro na Baixa de Coimbra, proeminente!! O número de estabelecimentos industriais em Coimbra, nos anos iniciais da primeira República (1910 até 1914) eram de 127 (cento e vinte e sete) equipados com 78 motores de força motriz e empregavam, contem-nos: 2495 operários.
A substituição de iluminação a azeite pela iluminação a gás deu-se em 1856, assim como, para a produção e distribuição de gás 'uma fábrica', a canalização e os respetivos candeeiros. A referida fábrica foi construída junto à extremidade sul da rua da Figueira da Foz na nossa 'Baixa', onde era produzido o gás para iluminação pública e de consumo doméstico, que saia dali em tubos de ferro para os referidos candeeiros em cobre da nossa cidade. O Gasómetro ou 'tanque de gás' situava-se na rua João Machado (denominada Rua do Gasómetro). A sua canalização alargou-se à medida que a cidade/necessidades se expandiam... a primeira fábrica a usufruir deste recurso (gás combustível) foi a fábrica de 'Peig, Planas & Lda. (fábrica de lanifícios) em 1897. A primeira entidade reguladora, responsável por esta distribuição estava a cargo do inglês Hardy Hiflop (1854 a 1856), já a segunda foi a Companhia Conimbricense de Iluminação a Gás (1854 a 1904) e como 'não há duas sem três': a exploração ficou a cargo da Câmara Municipal de Coimbra, entre os anos de 1904 até 1923. Entretanto, com a 'primeira grande guerra', faz com que o preço da matéria prima utilizada no 'gasómetro', o carvão, disparasse... em contraste com a concorrência do 'petróleo' na iluminação e, como se não bastasse, a energia elétrica... A iluminação elétrica foi aplicada à indústria. No caso de Coimbra, aplicou-se à iluminação, à tração elétrica e força motriz (sendo esta última a mais barata). Portanto, a dependência do carvão na 'força motriz' quase que desapareceu. O fornecimento de eletricidade suficiente e a baixo preço apenas se tornou realidade mediante as remodelações efetuadas na "Central Térmica de Coimbra" no ano de 1923 (há precisamente 100 anos), existindo o registo da aquisição de um 'transformador', permitindo assim, o funcionamento conjunto de "Elétricos" e "Troleys" a partir do ano 1947. Note-se que, para alimentar esta Central termoelétrica com carvão, exportava-se este da Grã-Bretanha, já que Portugal não dispunha de boas reservas desta matéria prima.
Também, outras Centrais existiram nos arredores de Coimbra, nomeadamente a Central Termoelétrica da Lousã (1935), chegando a abastecer as Fábricas de Porcelana da Arregaça (Calhabé), a Fábrica de Lanifícios de Santa Clara (Planas) e a Fábrica de Malhas dos Limas (aproveitando contudo a energia dos pequenos geradores destas empresas). Mais tarde, as Centrais da Serra da Estrela e de Santa Lúzia iriam fornecer Coimbra de energia.
Só mesmo para terminar, a par destas inovações tecnológicas, o abastecimento de água de Coimbra, o mais antigo dos Serviços Municipalizados desta cidade, que já tinha iniciado atividade em 1888 e até à década de 1960 (década em que eu nasci) situava-se na pequena casa (1922) do Parque D.Manuel Braga. A execução é atribuída a Eugéne Beraud e o sistema era composto por duas câmaras de captação de água no Rio Mondego e uma estação elevatória na pequena casa das águas do referido parque, e dois reservatórios localizados no Jardim Botânico e na Cumeada (com a estação elevatória destes na Rua da Alegria) e pela rede de distribuição.
Existem alguns artefactos, dignos de registo, como bombas centrífugas, canos metálicos, motores elétricos e vestígios de material usado no tratamento da água. Com a electrificação da nossa cidade em 1925, a capacidade de bombeamento quase triplicou. Com o crescimento demográfico e alargamento físico da nossa cidade e também graças às manifestações ocorridas em 1924 na Alta da cidade, derivado das más condições de abastecimento daquela zona e 'majoradas pela ocorrência de um incêndio na respetiva'... a rede disparou!!
Com a fruição industrial, que se fazia sentir por esta altura, a zona de Santa Clara também foi abastecida por este serviço. Por sua vez, a instalação das fábricas junto às captações de água do Mondego, constituíram benefícios que a Companhia da Cerveja de Coimbra e a Fábrica Miranda, Lda. (esta última convertida na atual Direção Regional do Ambiente, junto à Ponte do Açude) aproveitaram e foram determinantes para a sua localização. Sendo assim, estava em marcha a libertação das 'condicionantes' para a implantação das indústrias junto aos recursos naturais ou locais de abastecimentos destes. Há precisamente cem anos atrás se Coimbra tivesse seguido este rumo sem parar... muito provavelmente teríamos indústrias químicas de grande relevo, mas que acabariam por ditar a deterioração do conceito de "Cidade Universitária"!! Por outro lado, teríamos uma população residente que facilmente transbordaria os 400 mil habitantes, só no concelho!!
Até à próxima semana,
Adriano Ferreira - Pós-graduado e Conselheiro Autárquico para o Desenvolvimento de Coimbra.