RECORDAÇÃO DE UM CARNAVAL ATRIBULADO

JO JONES36

 

Era época de carnaval, um período repleto de alegria e travessuras, e as minhas amigas de infância decidiram que era o momento ideal para pregar algumas partidas a casas de pessoas conhecidas. Com os nossos disfarces de rapazes, roupas largas, almofadas estrategicamente posicionadas e meias na cara, lá nos juntámos, prontas para a aventura.

O meu pai, sempre preocupado com a segurança das suas meninas, ofereceu-me um cajado. Embora fosse apenas um adereço para intimidar, sentia-me um pouco mais corajosa com ele na mão, embora sempre detestasse qualquer forma de violência. A regra era clara: não pronunciávamos uma única palavra para evitar sermos reconhecidas.

Naquele tempo, o carnaval era genuinamente nosso, sem influências importadas, e seguíamos as tradições que nos foram ensinadas. Fazíamos parte de um grupo jovem ligado à Igreja, e sabíamos que, com a chegada da quarta feira de cinzas, a brincadeira chegava ao fim e começava a quaresma. Seria uma época de introspeção, de luto e de silêncios até à Páscoa.

Percorremos vários quilómetros, durante os quais as pessoas nos ofereciam bolachas, bolos e nozes, que acumulávamos nos cestos de verga que levávamos. A alegria era contagiante, e aquelas brincadeiras representavam o único passatempo que tínhamos para nos divertir. Contudo, o último carnaval que vivi nesta altura não correu nada como planeado.

Ao cruzar com um grupo de rapazes do nosso bairro, um dos mais curiosos decidiu testar a autenticidade do meu disfarce. Após várias insistências, fui a escolhida para o “teste” da palpação.
Sem pensar duas vezes e num momento de descontrolo, levantei o cajado e atingi-o no braço que quis ir mais longe na minha intimidade. A cena, digna de um filme de comédia, ficou marcada na memória de todos os presentes. A mim marcou-me para sempre. Sabia que tinha utilizado a minha força num momento de raiva. Sabia também que tinha tomado uma atitude que podia ter tido contornos graves.

No domingo seguinte, o rapaz, que fazia parte do meu grupo de amigos, apareceu na missa, visivelmente dorido pela "cajadada" que tinha levado no braço de alguém que não conseguiu identificar. Durante trinta anos, andei com um peso na consciência, pois nunca gostei de qualquer forma de violência. Esse episódio marcou-me profundamente. Foi num almoço em minha casa onde esse meu amigo foi convidado, que anos depois, decidi revelar -lhe a verdade e pedir lhe desculpa. Quando finalmente contei toda a aventura desse dia , senti um alívio imenso. Naturalmente que ele reagiu com uma enorme gargalhada, e ainda se lembrava desse episódio.

Se ele estiver a ler este texto, saiba que é a ele que dedico estas palavras.

Amigo Jorge, desculpa lá a cajadada!
Mas não podia deixar que metesses a mão onde não devias.

Antecipei-me, perdi a razão e foi o meu último desfile de Carnaval.
Hoje, não consigo achar tanta piada, e tudo mudou.
Naquela época, eu metia carradas de roupa em cima para me disfarçar, enquanto hoje, a tendência parece ser exatamente o oposto.

Acabamos de passar a época do Carnaval, e estas recordações continuam a invadir os meus pensamentos, fazendo-me rir. E, pelo que sei, a minha vítima também se ri de tudo isto. Afinal, o que seria da vida sem um pouco de humor nas nossas memórias?

Bom fim de semana
Manuela Jones

14-03-2025