“RETALHO DA VIDA DE UM PROFESSOR”
Já escrevi textos sobre professores e o marco importante que alguns desempenharam e deixaram na minha vida. Nunca será demais recordar a sua importância. Hoje vou contar-vos os retalhos da vida de um professor.
Era uma vez um professor que decidiu dedicar a sua vida à educação, acreditando que a leitura e a escrita seriam as chaves para abrir mundos novos aos seus alunos. Contudo, a realidade que enfrentava era bem diferente da que idealizara.
O seu quotidiano começava numa rotina marcada pela solidão e pelos desafios diários. Para lecionar numa escola situada a centenas de quilómetros de casa, teve de deixar a sua família para trás. Tornou-se um habitante de uma carrinha, um espaço exíguo que se transformou no seu lar temporário. Cada noite, a ausência familiar pesava-lhe, enquanto as conversas com os filhos se limitavam a breves chamadas, nas quais tentava disfarçar a saudade que o consumia.
Após as aulas, a tarefa de corrigir testes e avaliar trabalhos estendia-se até altas horas da noite. Essas horas não eram pagas. Com um salário que mal cobria as despesas, sonhava em proporcionar uma vida melhor à sua família. O carinho que dedicava aos alunos era profundo, mas a dor da distância dos seus próprios filhos acompanhava-o como uma sombra. Ele ansiava por momentos simples em família, que agora pareciam tão distantes. Faltava o calor do abraço da família que ficou para trás.
Na sala de aula, o entusiasmo ao entrar era frequentemente confrontado com a falta de respeito de alguns alunos e a indiferença de certos encarregados de educação. As palavras de encorajamento que partilhava muitas vezes perdiam-se num oceano de desinteresse. Dia-a-dia, esforçava-se para manter acesa a chama da curiosidade, apesar da desvalorização da sua profissão, que pesava sobre os seus ombros. O que deveria ser uma vocação transformava-se, por vezes, num campo de batalha.
Recentemente, a proibição do uso de telemóveis e da Internet nas escolas trouxe novos desafios. A sua preocupação era evidente, muitos alunos, dependentes das redes sociais, poderiam reagir com revolta e desorientação. Como iriam lidar com a ausência de uma tecnologia que se tornara parte de suas vidas?
O professor receava que essa mudança abrupta trouxesse mais problemas do que soluções, complicando ainda mais a tarefa de motivar os jovens. Talvez fosse essa a solução para se substituir o telemóvel pelo gosto da leitura.
Anos de formação e sacrifício pareciam ter sido em vão.
A dificuldade em encontrar uma colocação digna e pela valorização da carreira, era uma luta constante. Nos momentos de dúvida, questionava-se se a sua missão fazia sentido. No entanto, no fundo do coração, uma luz nunca se apagou: o amor pela educação.
Sabia que, apesar das dificuldades, cada pequeno progresso de um aluno era uma vitória. Cada sorriso, cada olhar de compreensão, tornava o esforço que recompensava.
Em conversas com colegas, ouvia histórias semelhantes. Todos partilhavam frustrações, mas também destacavam a beleza de moldar o futuro através do ensino. Essa solidariedade era um bálsamo para a solidão, uma lembrança de que não estava sozinho naquela caminhada. Juntos, sonhavam com um sistema que valorizasse os educadores, reconhecendo o papel fundamental que desempenhavam na formação de cidadãos críticos e autónomos.
O professor imaginava um futuro onde a sua dedicação fosse reconhecida, que deixassem de haver professores de primeira e de segunda, onde pudesse estar ao lado da sua família e desfrutar dos momentos simples que a vida proporciona. Ele desejava levar os seus filhos a passear, ao teatro, cinema, partilhar leituras à noite e vivenciar a alegria da convivência familiar.
A luta contra a iliteracia, a desvalorização da profissão e a solidão eram desafios reais, mas a paixão pela educação mantinha-o firme. Com o coração cheio de amor e esperança, continuava a ensinar, a sonhar e a acreditar que, um dia, a educação em Portugal seria valorizada como merece. O carinho que dedicava aos filhos dos outros era, na verdade, uma manifestação do amor que sentia pelos seus, alimentando a esperança de que, um dia, todos pudessem estar juntos novamente.
M. Jones