TELAS EM BRANCO
Um dia um grande amigo tentou ensinar me a desenhar.
Ele era jovem, mas tinha já um magnífico talento para a pintura e para o desenho.
Eu adorava contemplar um magnífico desenho que ele pintou na parede da sala de jantar da casa dos pais.
Sentava me num sofá junto à janela e olhava o amor e o talento daquela obra.
Mas eu gostava mais de música.
Se eu aprendesse a pintar, a minha tela seria uma palete de cores alegres.
O mundo não seria cinzento e nas antigas salas das nossas casas não existiam quadros de meninos que choram, ou com velas que lhes queimavam as mãos, desse horrível pintor Bruno Amadio.
Ai como eu gostaríamos de saber pintar as telas com sentimentos!
A terra seria um local perfeito.
Como o paraíso que nos foi prometido há milhares de anos.
Mas eu não sei pintar e gosto de música.
A música também ajuda a colorir as telas. Muitos pintores usam a música como fonte de inspiração.
Em criança desenhava casas, com portas e janelas abertas, com um sol bem amarelo a sorrir e um céu profundamente azul pássaros livres de gaiolas e árvore ao fundo do jardim.
Hoje, se ainda conseguir desenhar alguma coisa, o meu céu é cinzento, poluído, as portas são fechadas porque o mundo assim o determinou. Não foi o mundo, foi quem vive nele e quem o domina.
As guerras, a morte, miséria, a fome, a doença pobreza física e mental, e a injustiça continuam a perpetuar neste planeta.
O passado não nos ensinou nada.
Porque é que eu não consigo aprender a desenhar?
Porque é que as minhas mãos ficam trémulas e desajeitadas ao imaginar o que seria a minha obra final?
Prefiro o som da música. O cantar dos pássaros logo pela manhã num dia de verão.
Das cigarras e dos grilos nas noites quentes de Verão.
Das rãs e dos sapos. Do galo que me desperta e do som do riacho que corre e me salpica a pele.
Olhar o imenso céu à noite e ver as estrelas cadentes. O brilho da lua e imaginar como seria ver a terra estando na sua superfície.
Quais os sons que poderei escutar.
O som mansinho do mar durante o verão e da sua imensidão revolta durante o inverno. Na minha cabeça imagino umas das minhas obras musicais favoritas.
O bolero de Ravel a acompanhar a minha inspiração se eu aprendesse a desenhar a vida.
Aí se eu um dia soubesse transportar a minha música para uma tela!
Seria como mergulhar num oceano de cores, onde cada nota musical se transforma em um traço de pincel cheio de vida e emoção. As paisagens e os personagens das minhas composições ganhariam vida nas telas, transmitindo toda a beleza e os sentimentos que a música me inspira.
Seria uma experiência única, onde a música e a pintura se uniriam em uma sinfonia visual. Cada acorde e cada melodia seriam representados em pinceladas delicadas ou audaciosas, criando um retrato vivido e cativante. E assim, a arte da música e da pintura se encontrariam, elevando-se mutuamente e tocando a alma de quem observasse essa combinação perfeita.
Mas enquanto esse momento não chega, continuo deixando que a música preencha a minha vida de cores e sensações. Ela é minha tela em branco, onde posso expressar todos os meus pensamentos e emoções. E quem sabe, um dia, eu perceba que a música é a minha verdadeira forma de pintura, e que através dela, posso criar telas para os ouvidos e a alma daqueles que têm a oportunidade de ouvir minhas composições em que não fui eu o compositor.
Manuela Jones