TERRA DOS SONHOS

MANUELA JONES42

 

Tudo era novidade para aquelas crianças, recém-chegadas a França. O clima, a paisagem, o florescer económico, tudo despertava seus sentidos, mas a língua, ah, a língua! Essa, sim, era uma barreira imponente a ser transposta.

O Sr. Manuel, movido pelo desejo que os seus filhos aprendessem depressa o francês, decidiu matricular os mais velhos na escola local. Era também a forma de os preparar para o mundo do trabalho. Os filhos mais velhos, Manuel, o Fernando, António e o José foram para a escola.

Para aquelas crianças, cada desafio era uma montanha a ser escalada. Eram observadas com um misto de fascínio e estranheza por aqueles que desconheciam as duras histórias de vida. Contudo, por trás daqueles olhares intrigados, residia a compaixão e a vontade genuína de os acolher e ajudar.

Foi o professor Varenne que iniciou a aprendizagem do francês na escola, e que lhes dava o apoio necessário depois das aulas muitas vezes através da música e da aprendizagem do canto. Diz o Fernando que o dito professor era zarolho, o que os confundia um pouco, pois nunca sabiam para onde estava a olhar. Os quatro rapazes estavam de cabelos rapados pelo receio dos piolhos e riam a cada pergunta que o professor lhes fazia. Naturalmente não percebiam nada inicialmente.

A vida que deixaram em Portugal era diferente. No entanto eles sabiam já nesta idade o entrelaçar com fios de superação, dúvidas e esperanças. Conscientes dos desafios que se avizinham, mantinham a certeza de que juntos podiam vencer as tormentas, pois a força do afeto e da união era o seu idioma verdadeiro. Depressa aprenderam o francês. As crianças têm mais facilidade do que os adultos. Cerca de seis meses depois a barreira da língua estava ultrapassada. A vida continuou o seu percurso com o Manuel a trabalhar e as crianças a continuarem a nascer. Nasceram mais cinco em França. Esses nunca falaram português com os pais. Mesmo os mais velhos começaram a perder o uso da língua portuguesa com o decorrer dos anos.

Afinal, aquele era o país que os acolheu e tirou os pais de uma vida de pobreza. Tiveram que se integrar e não foi difícil. Já a mãe, tentava sempre que os filhos fossem unidos e continuou sempre a fazer o melhor pelos seus rebentos. O João, que infelizmente nasceu com trissomia 21 foi mais tarde para uma instituição. Ainda se encontra neste momento na mesma e está em plena forma e feliz com 59 anos. A mãe , aquela santa mulher, não saía de casa. Pudera, com quatorze pessoas a tratar, trabalho não lhe faltava. O Manuel também cultivava algumas terras depois do seu trabalho, com os filhos mais velhos.

Três anos depois, já tinha adquirido uma casa com bastante terreno. Assim, podia ter alguns produtos frescos para consumo diário e poupar algum dinheiro. Também tinham coelhos, galinhas e criavam os porcos para ajudar a sustentar a família. Imaginem que até tinha uma pequena produção de vinho para consumo próprio. Era assim a vida da maioria dos emigrantes desta geração.

O Manuel entretanto tirou a carta de condução e comprou um carro.Era sem dúvida um dos objetivos mais ambicionados pelos emigrantes portugueses. Comprar um carro para vir a Portugal. Fez um enorme esforço, não perdia uma hora de trabalho onde quer que fosse, mas conseguiu os seus objetivos. Comprou um Taunus 12 familiar. Colocou dois cães em plástico atrás. Daqueles articulados que diziam que sim e que não com a cabeça, com o andamento do carro. Era a grande moda nos anos setenta. Já eu, nunca achei piada nenhuma àqueles “caninos”.

Vir a Portugal de férias com uma máquina nova, era motivo de espanto e admiração para os que cá residiam. Afinal, muito pouca gente naquela altura tinha carro em Portugal.

Na próxima semana vou continuar com as aventuras das longas viagens para regressar a Portugal em Agosto de férias.

Manuela Jones