TRABALHOS DIGNOS E DIGNIDADE DE PESSOAS

ROSARINHO PORTUGAL 5

 

Por vezes a nossa vida muda de rumo. Graças a Deus, de outra forma torna-se monótona. A minha como a da maioria, já deu grandes voltas.


Quando era rapariga adorava ler e cinema. Perdi esse hábito quando fui mãe e quando estive muito ligada à política. Trabalhar, cuidar da casa e de dois filhos e com o tempo que perdia com a política fui perdendo o saudável hábito de ler.


Talvez, também, por saturação, não me tem apetecido escrever. Desfiliei-me do meu Partido de sempre, desliguei-me da política, mas comecei a escrever para o Movimento de Humor e mais tarde para “O Ponney”. O estado caótico em que se encontra a Cidade e as asneiras e incompetência são tantas que sinceramente estou cansada.


Então, decidi regressar à leitura. Por sorte, comecei por um livro que simplesmente adorei. “A CRIADA” de Freida McFADDEN. Quando terminei de o ler, fiquei triste, até porque o final é simplesmente inesperado.
Entretanto, enquanto não chegava o II volume, li outro , este pequenino “ O LEME” de Madalena Sá Fernandes. Totalmente diferente, mas que também gostei muito. Violência Doméstica, outro assunto ao qual sou muito sensível.


Em conversa com o nosso Diretor de “O Ponney” que tem uma Biblioteca na sua cabeça, aconselhou-me a ler “As Invísiveis” de Rita Pereira Carvalho.

Fez-se luz na minha cabeça, encontrei um tema que sempre foi assunto para mim. Desde criança. Depois de adulta vivi duas experiências, que realmente tive que viver, por questões de sobrevivência.
Com estas leituras essencialmente “ A Criada” e “As Invisíveis”, encontrei assunto para voltar a escrever.
Vieram-me à cabeça, recordações antigas e outras mais recentes. Quando era pequena, passei muitos tempos em casa dos meus avós, principalmente dos maternos. Somos 4 irmãos seguidos, todos os anos nascia um, só a mais nova veio 10 anos depois de mim.


Tinha eu para aí, 7 anos e passei uns tempos em casa dos meus avós paternos. Meu avô que era uma doidice comigo, fez de tudo para que estivesse entretida a brincar. Um dia fomos à Feira do Espírito Santo e ele comprou-me, uma cozinha de brincar super gira! Minha avó levou-a para a cozinha. Ali, passei muitas horas a brincar, perto das duas empregadas que trabalhavam lá em casa.


A dada altura, apercebi-me de que as empregadas, tinham a sua própria louça e nunca comiam nos pratos, nos copos e talheres dos patrões. Questionei-me: porquê?
Na minha cabeça aquelas duas senhoras eram pessoas iguais a todos nós, porque tinham que ser tratadas de modo diferente?


Em casa dos outros avós, havia sempre um homem e uma mulher a trabalhar. Ele cuidava do meu tio avô, que era totalmente dependente de terceiros, sempre na sua cadeira de rodas. Só a cabeça era completamente sã e com uma cultura fora do normal. E a empregada que ajudava a minha avó nas lides da casa.


Sempre vi minha bisavó e avó a tratar as pessoas que trabalhavam lá em casa, como se fossem família.
Em casa dos meus pais tivemos a nossa Ti Cacilda, que foi como uma avó para nós.


Assim fui educada! Meu avô tinha uma Quinta em Verride e os caseiros eram família. O Sr. Alfredo e a nossa Srª Angelina, que tinham uma paciência para aturar os 20 netos do avô Portugal.


Fui crescendo, tornei-me mulher e o meu respeito por quem tem estes trabalhos de limpeza foram sempre aumentando. Os que varrem a cidade, nunca suportei que chamem aos homens que recolhem o lixo, como “os homens do lixo”! Não, eles não são os “homens do lixo”, nós é que somos, pois nós é que sujamos e eles recolhem o nosso lixo.


No livro “As invisíveis” a autora relata a vida de 5 mulheres e 1 homem, que fazem limpezas. Que vida dura! Saírem de casa à 4 da manhã, algumas com filhos pequenos, apanhar transportes para irem limpar, escritórios, bancos, e outros edifícios onde trabalham muitas pessoas.
Mas será que alguém sabe, quem limpa o que eles sujam? A maior parte nem nunca as viu ou para elas olhou. Raparigas dos 18 anos a mulheres de 80.


As pessoas que limpam o que nós sujamos, merecem ser tratadas com respeito e dignidade. Mas não! São as invisíveis!


Nem todos os trabalhos dignificam as pessoas, mas TODAS as pessoas são dignas.


Rosário Portugal