UMA VIAGEM HISTÓRICA À FIGUEIRA DA FOZ NOS ANOS VINTE

JO JONES81

 

A PRAIA DOS MADRILENOS

Recentemente, vi o filme meia noite em Paris de Woody Allen onde o protagonista, todas as noites à meia-noite, entrava num antigo carro e, em cada viagem, recuava no tempo, conhecendo personagens célebres como, F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Salvador Dalí, Gertrude Stein e Pablo Picasso, entre outras figuras. Inspirada por esta narrativa fascinante, decidi embarcar numa viagem semelhante, mas em vez de um velho carro, optei por um antigo comboio. Assim, saí de Coimbra com destino à Figueira da Foz, rumo aos loucos anos vinte, uma época em que a cidade fervilhava de vida e cultura.

Quando o comboio partiu, a paisagem começou a desfilar pela janela, os olhos fecharam- se, enquanto a minha imaginação se deixava levar pelos ecos do passado. Ao chegar à Figueira da Foz, fui imediatamente envolvida por um ambiente dos anos vinte. O sol brilhava intensamente sobre as finas areias da Praia da Claridade, outrora conhecida como a praia dos madrilenos. Aqui, a elite espanhola, especialmente a de Madrid, encontrava um refúgio de luxo, transformando a Figueira numa espécie de extensão da sua cidade. As esplanadas estavam repletas de gente, as conversas animadas misturavam-se com o som das ondas.
O glamour era palpável. Bungalows requintados, chapéus de palha adornados e vestidos de seda dançavam ao sabor do vento. Contudo, o brilho da elite escondia a realidade da população local. As varinas e pescadores, com as suas mãos calejadas e rostos marcados pelo sol, pés descalços com roupas desbotadas e remendadas pelo desgaste do tempo trabalhavam arduamente para garantir o seu sustento. As varinas vendiam peixe fresco nas praias. Outras transportavam o sal que vinha das salinas. A luta diária de uma comunidade que, apesar das dificuldades, encontrava alegria nas pequenas coisas da vida.

Ao caminhar pela orla, fui atraída pela presença imponente do Casino da Figueira, fundado em 1885 como o “Casino Espanhol”. Era o primeiro casino na península ibérica. Este espaço tornou - se rapidamente num símbolo do glamour da Figueira na década de 1920. Era aqui que se cruzavam as mais diversas personalidades, entre elas:
Eça de Queirós, Ramalho Ortigão,Miguel Torga, José Régio, João Gaspar Simões, Silva Gaio, que, com certeza, teriam apreciado a atmosfera animada e a troca de ideias que surgiam entre as mesas de jogo e pela transição do modernismo para o presencialismo. A tal ligação entre o eu e o mundo, explorando a profundidade psicológica.
Enquanto me dirigia até ao Casino, imaginava os debates sobre literatura, política e arte que ali decorriam, com Eça observando criticamente os excessos da época e Ramalho Ortigão a contar histórias.

Eça: Ramalho, que acha da política? Parece-me uma feira de vaidades onde os próprios palhaços querem ser reis.

Ramalho: Eça, a política é como um rio: quanto mais corre, mais leva as pessoas, e muitas vezes só as deixa molhadas e “desacanhadas”.

Eça: Sabe meu caro amigo Ramalho, políticos e fraldas deveriam ser mudadas frequentemente pelas mesmas razões.
As conversas desenrolavam- se tal como algumas conspirações.
O Casino não era apenas um local de entretenimento, mas um espaço de intercâmbio cultural, onde as ideias e as ambições se cruzavam sob a luz cintilante dos candeeiros.

O contraste entre o esplendor do Casino e a realidade das varinas era um reflexo das disparidades sociais da época. Enquanto a elite se entregava ao luxo, as varinas, vendiam peixe nas praias e os pescadores lançavam as suas redes ao mar. Todavia estes homens e mulheres continuavam a ser a espinha dorsal da economia local. A beleza da Figueira da Foz estava, assim, confrontada com a luta diária de uma população que se esforçava para sobreviver.

Tudo tão longínquo e tão atual.

À medida que o sol começava a pôr-se, a cidade revelava-se ainda mais encantadora. As fachadas em estilo Arte Nova do Bairro Novo brilhavam sob a luz dourada do final do dia, e a cidade parecia contar as suas histórias através da arquitetura. Cada esquina era um convite para explorar as narrativas de amor, ambição e desilusão que ali se desenrolavam.

Com o dia a chegar ao fim, dirigi-me à estação da Figueira da Foz para apanhar novamente o nosso comboio de regresso a Coimbra. O ambiente nostálgico da estação, com o seu cheiro a carvão e o som do apito do comboio, transportou-me de volta à realidade. Olhando para a Figueira, que se despedia de mim com as suas ondas a dançar à luz do pôr do sol, não pude deixar de sentir uma profunda ligação com as histórias que ali presenciei.

A Figueira da Foz, com a sua dualidade entre o glamour da elite e a luta dos pobres, continua a ser um símbolo da resiliência e da beleza da vida. E assim, parti, levando comigo as memórias de uma época rica em histórias e experiências que, mesmo com o passar do tempo, permanecem vivas na memória coletiva.

No entanto, ao acordar repentinamente no meu sofá, com o pescoço a doer, e os óculos quase no pescoço, percebi que a única viagem que realmente fiz foi da sala ao quarto, para continuar a minha viagem dos sonhos. Afinal, quem disse que a realidade não pode ser tão fascinante quanto a ficção?

M. Jones