Estratégia e partidos políticos
Quando aqui e agora me refiro a Estratégia (usando a maiúscula inicial) estou, por simplificação, a referir-me à Estratégia Nacional, no caso, a portuguesa e, por conseguinte, os partidos políticos são aqueles que conhecemos no leque mais destacado da nossa política doméstica.
Vamos tentar perceber os problemas que se levantam à definição de uma Estratégia Nacional quando há uma pluralidade de partidos políticos.
Teoricamente, cada partido, tendo um programa, apresenta uma solução para as grandes questões que afectam a sociedade. Ora, ainda que as questões a resolver possam ser as mesmas ‒ e nem sempre são ‒ as formas para chegar à solução têm de divergir, pois, se assim não for, haverá partidos que se não justificam. Portanto, é o “método” que fundamenta a pluralidade partidária e, consequentemente, a luta política. Vou particularizar.
Todos os partidos políticos do espectro nacional se propõem desenvolver medidas que tragam o bem-estar, a segurança, a saúde e a educação para toda a Nação. Não há nenhum que afirme algo diferente destas linhas gerais. Contudo, os partidos ditos de direita, defendem que o objectivo se alcança através da liberdade de concorrência no mercado, através de reduzir a intervenção do Estado na Economia, e os de esquerda preferem dar ao Estado um papel, maior ou menor, na regulação da concorrência estabelecida pelo mercado, o mesmo é dizer, pela lei da oferta e da procura.
Cá está: fins iguais, mas “caminhos” diferentes!
Se detalharmos um pouco mais, veremos que os “projectos” políticos, desde o PSD até ao Chega, tendo uma base comum ‒ economia liberal marcada pela preponderância do mercado ‒ são bastantes distintos, pois, se no PSD se diz ‒ no mínimo, teoricamente ‒ que se defende a social-democracia (pressupondo uma intervenção, ainda que fraca, do Estado na correcção das distorções provocadas pela liberalidade do mercado), já no Chega, a intervenção do Estado será fortíssima para certo tipo de repressões e brandíssima na livre acção do mercado quando pratica a lei da oferta e da procura.
Olhando para aquilo que se designa por “esquerda partidária” temos algo de semelhante ao que se passa à direita, mas com sinal contrário, pois, se é verdade que o PS preconiza uma social-democracia, o mesmo é dizer, uma acção bastante interventiva do Estado na regulação do mercado, o BE (Bloco de Esquerda), tal como o PCP, vão ao extremo de preconizarem a extinção da lei da oferta e da procura substituindo-a pelo princípio dos mercados de produção e de consumo planificados.
Após esta explicação breve, percebe-se a dificuldade de conciliar a definição de uma Estratégia Nacional duradoura no tempo, quando os partidos se sucedem na governação e com metodologias de acção diferentes, não só porque os “caminhos” são diferentes, mas também porque, bem vistos e bem ponderados, os conceitos de “bem-estar” nacional divergem, não tanto por força das doutrinas que sustentam os partidos, como, principalmente, por força dos apoios e ajudas que cada um dos lados ‒ a direita e a esquerda ‒ encontra na comunidade internacional.
No caso português, e para melhor compreensão, se o PCP fosse governo rejeitaria a participação na NATO e na União Europeia; sendo governo o PSD, por exemplo, aceitaria todos os apoios vindos da UE e da NATO, mas, provavelmente, se o Chega governasse sofreria fortes reacções de Bruxelas até ao momento de alinhar completamente com os ideais democráticos supostamente praticados na União.
Esclarecido este aspecto específico das divergências partidárias quanto à noção de “bem-estar” nacional e aos modos de o atingir percebemos, agora, a interligação entre tipo de governo e Estratégia Nacional. Assumir que, seja qual for o partido a governar, respeita a mesma Estratégia Nacional é iludir-nos ou aceitar que não existe nada mais do que estratégias partidárias.
Por outro lado, torna-se claro, também, como os regimes ditatoriais ou autocráticos conseguem definir, sem dificuldades de maior, as suas Estratégias Nacionais. Mas, com isto, não estou a fazer a apologia deste género de regimes; limito-me a chamar a atenção para um facto muito simples, mas terrivelmente difícil de alcançar: a noção de bem-estar quando as divergências são amplas entre os partidos do leque da governação, pois, para tal almejar têm de se criar plataformas políticas de convergência comum tanto quanto aos métodos a prosseguir na governação como quanto às linhas admissíveis de negociação externa e, ainda, de estabilidade interna. Tudo isto passa transversalmente pela Economia, atendendo aos equilíbrios dos interesses postos em jogo nos mercados internos e externos (veja-se, como, por exemplo, é muitíssimo mais fácil, nos EUA ou na Grã-Bretanha, definir uma Estratégia Nacional, visto que a governação se decide entre dois partidos que, no essencial, não estão muito distantes um do outro, daí que seja simples definir o interesse nacional daqueles Estados).
Exposta toda a panorâmica que está por trás da Estratégia Nacional e os partidos políticos, assim como o tremendo “jogo de cintura” que, ao nível da governação em democracia, tem de ser feito, percebemos, creio, de uma forma muito clara e expressiva, o tremendo erro que, em Portugal, se pratica ao impor, sem audição popular, a União Europeia, a moeda única e a participação na NATO. E isto é tanto mais grave quanto maior for a abstenção popular nos momentos em que, pelo voto, se tem de expressar a adesão ao projecto nacional de estar na Península, na Europa, na Economia e no mundo. Os Portugueses não podem ser “empurrados” para objectivos nacionais e, consequentemente, para uma Estratégia Nacional que os afaste da sua forma e vontade de estar na comunidade peninsular, europeia e mundial.
Na impossibilidade de ser a Nação a definir a Estratégia Nacional, tem de haver um projecto que mereça a adesão da maioria dos votantes, dos cidadãos. Mas esse projecto não pode estar a variar de governo para governo, daí que, como já disse, tem de partir de uma plataforma comum de entendimento entre a esquerda e a direita, resultando de cedências de todos os lados para gerar um consenso.
Quando lemos o Conceito Estratégico Defesa Nacional (CEDN) ‒ veja-se “Diário da República”, 1.ª Série, n.º67, de 5 de Abril de 2013, p. 1981-1995 ‒ existente, por mais que nos digam que resultou de um trabalho conjunto de pensadores de diversas áreas, percebemos que a nossa Estratégia Nacional foi, de facto, concebida em função de padrões, limites e objectivos ditados pelos pilares onde ela assenta: a União Europeia e a NATO, chegando ao parágrafo final com a expressão “gloriosa”, mas completamente irrealista, que passo a transcrever:
«O conceito estratégico de defesa nacional só se torna nacional a partir do momento em que Portugal e os portugueses o assumam como seu.»
Ora, a grande questão, aquela que é determinante, consta de avaliar o que é que cada cidadão sabe sobre o CEDN, sobre a União Europeia e sobre a NATO.
Arrisco a dizer que a maioria dos nossos compatriotas não sabe, sequer, o essencial sobre essas instituições, resultando daí que o nosso CEDN é uma construção fictícia, porque desligada da Nação.
Por favor, não nos queiram tomar por parvos!
Luís Alves de Fraga