‘NÃO’ SIGNIFICA APENAS NÃO!

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O título deste artigo parece muito evidente, mas na prática não é. Caso contrário não havia assédio moral ou sexual.

Como houve na Faculdade de Direito, que decidiu criar um Gabinete de Apoio à Vítima (GAV), para ajudar a lidar com situações de assédio e discriminação, de forma confidencial, oferecendo aconselhamento jurídico e psicológico. No ano de 2021, o Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) abriu uma linha de denúncias e, em apenas 11 dias, recebeu 50 queixas de assédio e discriminação que acusavam 10% dos professores da faculdade.

Entre os acusados, havia um docente que era alvo de nove queixas e outros dois a quem eram atribuídos cinco crimes a cada.

Questionada sobre as diligências levadas a cabo na sequência das denúncias, a instituição explicou que todas as denúncias eram anónimas, tendo o Conselho Pedagógico elaborado um relatório que “foi enviado pela Faculdade ao Ministério Público que procedeu ao seu arquivamento”, explicou à LUSA o gabinete de imprensa da Faculdade de Direito. O GAV recebeu, ainda durante o ano passado, 10 denúncias e “a todas foi dado o adequado seguimento, tanto que daí resultaram três processos de inquérito aos quais foram atribuídos instrutores externos à FDUL, que concluíram pelo seu arquivamento, por prescrição”.

A Lusa questionou a instituição sobre a data das alegadas ocorrências e qual o tipo de situação relatada nas denúncias, mas a instituição disse que “a Faculdade não pode revelar o conteúdo das queixas objeto de análise”.

Em Dezembro de 2022, a Faculdade explicou o que aconteceu às restantes queixas: duas eram de natureza pedagógica e cinco relativas a “factos absolutamente prescritos, relacionados com o funcionamento dos serviços ou juridicamente não relevantes”.

Desde então, não surgiram novas queixas, mas a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa decidiu manter o serviço em funcionamento por lhe “atribuir relevância ao projeto como resposta a quem se encontre num estado de fragilidade perante situações de assédio”. Em Abril deste ano, o gabinete de imprensa anunciou ainda que a instituição está a elaborar um código de conduta, que conta com a participação de representantes de todos os órgãos da Faculdade.

Em Dezembro de 2022, a Federação Académica de Lisboa realizou um inquérito que revelou que cerca de dois em cada dez estudantes universitários já tinham sido vítimas ou testemunhas de casos de assédio. A maioria dos inquiridos (85%) disse na altura não ter conhecimento de qualquer gabinete ou linha de denúncia, defendendo a importância da sua existência.

Mais tarde vieram a público acusações de assédio e violência sexual no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Estas acusações tiveram mais atenção porque as três investigadoras fizeram a denúncia internacionalmente.

Os acusados são o sociólogo Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, e o antropólogo Bruno Sena Martins, investigador da instituição. Apesar dos vários “gritos” pintados nas paredes e cartazes colados pela cidade só mereceu a atenção da Universidade de Coimbra depois do artigo “The walls spoke when no one else would” ("As paredes falavam quando ninguém o fazia", em tradução livre), que faz parte do livro “Sexual Misconduct in Academia” ("Condutas sexuais impróprias na Academia").

Os assédios, independentemente das discussões partidárias, das provocações como argumentos, dos argumentos de pseudo-inocências a verdade é que ‘não’ é mesmo NÃO!

Esta é a razão para que em Coimbra duas dezenas de estudantes do ensino superior manifestaram-se, corajosamente, na tarde desta terça-feira, 7 de Novembro, contra o assédio moral e sexual nas instituições, exigindo uma academia segura e inclusiva.

Os alunos estiveram concentrados no Largo D. Dinis empunhando cartazes onde se lia: “Boa Aventura era não haver assédio”; “Propinas não pagam assédio”; “Não quero ser mais uma estatística”; “O meu corpo não é público”.

Os protestos, que ocorreram também em Lisboa e Braga, foram convocados pelo movimento “Academia Não Assedia” , em Coimbra juntou-se a esta luta a Comunidade HeForShe.

“O assédio no meio académico dura há demasiado tempo e com a complacência da comunidade académica. Juntamo-nos para dizer basta. O assédio não tem lugar nas nossas universidades”, adiantou Camila Marques.

A coordenadora geral da Comunidade HeForShe Coimbra defende “a criação de um gabinete independente de apoio psicológico e jurídico, de códigos de conduta que assegurem uma efetiva resposta a casos de assédio e a promoção de medidas sancionatórias eficientes”.
Pedem também a realização de questionários institucionais anónimos, para apurar o número atualizado de situações de assédio, a distribuição de informação sobre os mecanismos de apoio e a garantia de que as vítimas não sejam avaliadas por docentes contra quem fizeram queixa.

A necessidade de um gabinete independente, não só é necessário nas Universidades, mas também nas Câmara Municipais e nas várias dependências camarárias.

Por algumas vezes, no jornal O Ponney, tivemos queixas com provas enviadas de capturas de écrans onde se testemunham as mensagens insistentes, as mensagens escritas em papel e entregues à pessoa assediada. Apesar da garantia de proteção de identidade, as vítimas ainda têm muito medo de enfrentarem a denuncia pública. Os nossos esforços ficaram-se por enviar os links da Associação de Apoio à Vitima, a Lei que define a proteção jurídica e o conselho de denúncia à PSP e DIAP.

Coimbra não está a ser lembrada pela absoluta correção nestes processos e é fundamental que o faça pois temos na cidade muitos jovens sem famílias por perto. Por isso a maior necessidade de termos um gabinete independente de apoio psicológico e jurídico, que não seja feito, como tem sido feito até aqui, por colegas de profissão dos agressores (quando não o são pelos próprios).

AF