O lobo e a raposa
No tempo em que os animais falavam – eles ainda falam, os homens é que não os entendem – andava com fome de quatro dias o lobo, e de três a raposa.
Encontraram-se. Ela toda lareta; ele todo pimpão, muito senhor do seu nariz.
- Comadre, onde vamos jantar?
- Só se for a certa capoeira perto de aqui. Mas custa a entrar lá…
- Mesmo assim, vamos lá ver.
E foram. Rija era a porta, altas as paredes; mas uma delas, arrimada ao monte, resvés ou resvés campo de Ourique – pela parte de cima com o atalho por onde os compadres desceram.
Está mesmo a ver-se que quem se mete por atalhos…
- Se descermos lá para baixo – não é redundância, não: a raposa até era fina de língua! – corre-se o risco de, depois, não podermos fazer o mesmo cá para cima, disse o lobo a fazer-se passar por atilado.
- Talvez, compadre, talvez -tornou-lhe a comadre, farejando do alto com tanta ânsia que o focinho até se lhe punha mais comprido.
De repente avistou no meio da capoeira uma galinha calçuda, tão gorda e anafada que era mesmo uma tentação. Debruçou-se mais um pouco e… zás, catrapus … lá vai ela dar com as fuças e o resto do corpo no meio da capoeira e das aves do cacaracá cá.
Enquanto o diabo esfrega um olho, papou a galinha com penas e tudo.
Via toirinhas de palanque o lobo, mas, como quem tem cu tem medo, não se decidia a saltar, apesar das cócegas comichentas que sentia no bucho.
A raposa, querendo companheiro na desgraça, disse:
- Quando tiver merendado, safo-me.
- Como?
- É cá o meu segredo.
-Conta!
A raposa remexeu os beiços muito depressa, mas sem dizer a ponta de um corno, e o lobo, que não ouvia, debruçou-se mais e foi bater com o costado no chão da capoeira.
Ficaram com caras de idiotas – sempre é mais fino que parvos – a olhar um para o outro.
- E o segredo?...
- Primeiro comei; depois vos direi…
E então é que foi um estrago na criação! Um autêntico regabofe.
Bem fazia o galo cócórócócó, os perus glugluglu e os patos quá-quá.
Pois… Esfaimados de sete dias - três mais quatro – um a um as coisas – não têm direito a animais com sensibilidade – lá iam marchando em passo acelerado para as panças dos dois compadres.
Já tinha o lobo papado três galos, dois patos e uma galinha, que por sinal andava choca, quando, sem que ele desse por isso, de tão sôfrego estar, se abriu a porta.
Era o dono dos animais papados e dos que restavam. Vinha atraído pela gralhada: meteu a espingarda à cara e, pum! Pum! Pum! Pum!, pespegou-lhe com quatro zagalotes no bucho farto.
Morreu o lobo, farto que nem um porco.
E a raposa?