OS FORTES E OS FRACOS
No Direito, “a figura da prescrição não repousa só na ausência da necessidade de aplicação de sanções” ( In Tratado de Direito Penal, de Jescheck ).
A prescrição assenta sobretudo na experiência processual de que, com a crescente distanciação temporal entre a instauração do processo contra-ordenacional e o momento da sentença, aumentam as dificuldades probatórias e, com isso, o crescente perigo de serem tomadas decisões erradas.
Um dos princípios básicos em que assenta o nosso ordenamento jurídico é o que a locução latina de “in dubio pro reo” traduz.
De facto, quando a prova produzida é, na sua maior parte, obtida através de testemunhos orais, estes são tanto mais falíveis quando maior é o distanciamento no tempo em relação aos factos.
Porque a memória é curta. E porque os pormenores se esvaem, ficando apenas a imagem cada vez mais embaciada dos acontecimentos, à medida que o tempo passa.
Foi por essas razões que, já no tempo do Direito Romano se criou o instituto da prescrição, com a finalidade de obviar o risco de erros judiciários. Ao contrário, todavia, do que vulgarmente se lê nos jornais, a prescrição, só por si, não extingue a acção, porque ao Juiz não é dado conhecê-la, salvo quando o arguido ou o réu a invoquem.
Foi, pois, com a louvável intenção de proteger o acusado de erradas sentenças fundadas em provas esbatidas pelo tempo e pela deterioração da memória humana, que se estabeleceram os prazos de prescrição.
Porém, hoje assiste-se ao exagerado uso de expedientes processuais dilatórios tendentes à invocação pelo acusado, “in limine”, do esgotamento dos prazos prescricionais, com vista à obtenção de despacho de arquivamento dos processos antes de proferida sentença.
Expedientes esses, que na verdade, estão apenas ao alcance dos poderosos com riqueza disponível para fazer face às elevadas custas judiciais inerentes ao uso dos mecanismos legais que os permitem.
Basta ler os jornais para nos apercebermos que raramente são noticiados casos de arquivamento, por prescrição, de processos em que o réu seja pessoa de fracos recursos.
Em contrapartida, abundam os casos inversos!
Ou seja, são os fortes que aproveitam, embora legitimamente, os instrumentos legais que, de boa-fé, tinham sido afinal criados para protecção dos fracos...
Rui Felício
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